A sociedade em rede e a lanterna de Diógenes

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Um amigo, de São Leopoldo,  liga-me e pergunta  se eu escrevi a matéria abaixo inspirado numa fonte do Jornal EL PAÍS. Respondo-lhe que não, esse artigo foi publicado há alguns anos, mas ganha uma atualidade fantástica. Primeiro, porque Santiago viverá sua primeira eleição sob a égide de uma nova ferramenta política: a sociedade em rede. Aliás, não faz muito tempo que eu vivo recomendando a leitura do livro A SOCIEDADE EM REDE, do sociólogo espanhol Manuel Castells, aliás, o livro mais consistente que já li sobre a nova sociedade, especialmente depois de o GRANDE IRMÃO  e CABANA ELETRÔNICA de Alvim Tofler, onde estaria surgindo o indivídeo no lugar no indivíduo. É claro, o segundo é mais futurista, o primeiro, o espanhol, é bem mais realista e chega ser assustadoras suas previsões.

No meu livro PAMPA EM PROGRESSO sustento que a eleição de Vulmar Leite, em 1992, teve vários ingredientes que – somados – resultaram na derrota do PDS. Sinteticamente, dá para dizer que houve uma sucessão de erros na reação, desde o troca-troca de candidatos em cima da hora, alguns antecedentes explorados bem na opinião pública, especialmente um incidente envolvendo o ex-prefeito Cássio, mas – sobretudo – existia uma conjutura favorável à mudança.

Naquela ocasião havia uma revolução (para os padrões da época) nas comunicações, e, Santiago, também vivia os reflexos de uma urbanização forçada e a forte emergência de um proletariado urbano composto por amplas parcelas da população que saiam do meio rural para a cidade e impunham uma série de exigências para as quais os governos de então não estavam preparados para atender.

Mas – nessa eleição de Vulmar – havia também um elemento imperceptível,  não visualisável e eu sou o único em Santiago que sustentei essa tese e a sustento até hoje.

Que elemento era esse?

Vou ser didático para me fazer compreender. Esse elemento estava entrando em todas as casas, estava em todos os jornais, radios e todas as televisões…era a queda do socialismo real, a desagregação do leste europeu, o fim dos regimes autoritários que – um a um – iam caindo. Havia uma redefinição na política mundial, os jovens saíam às ruas, enfrentavam os tanques, os militares, haviam confrontos em várias partes do mundo e foram 3 anos marcados por quedas sucessivas de governos. Em nosso país, emergiu o movimento dos cara-pintadas, os jovens íam às ruas, vestiam preto enquanto o estabhisment pedia que vestissem verde e amarelo. De repente, todos queriam mudanças, mudanças na Alemanha, na URSS, na Polônia, na Romênia…mudança lá, mudança aqui.

Esse sentimento mudancista dentro de nossas casas sendo mostrado a toda hora na TV, em todos os canais, cria – subjetivamente – um espírito de mudança também no passivo telespectador ou leitor santiaguense. Ninguém fica indiferente a essas manifestações, nem que seja inconscientemente ela ocorre.

Discutir psicanaliticamente como isso se processa é assunto para o curso de psicologia da URI e seus teóricos, a mim, cabe mostrar os fatos que identifico e abrir à discussão com a sociedade.

Transcorridos 20 anos da vitória da Vulmar Leite, eis que surge no mundo uma nova conjuntura mudancista. Esse questionamento aos velhos poderes que emerge no mundo árabe, incentivado pelas redes sociais da internet, é sem sombra de dúvidas a repetição da história que aconteceu no leste europeu, resguardadas as especificidades, especialmente de época. Agora os sentimentos que contaminam são os mesmos, senão como explicar o rastilho de explosões da Tunísia ao Egito e que agora se espande para diversos outros países? De um lado, os protestos pegaram à direita no Egito, mas também pegaram Kadaffi, na Líbia, de esquerda. Agora, que o processo está deflagrado, e fomentado pela velocidade da internet, se torna imprevisível saber o que acontecerá no dito mundo árabe.

Gostem ou não, os jovens no mundo inteiro estão se organizando em redes sociais, questionando o poder, cada um ao seu modo, mas estão, e existem revoluções silenciosas e não reveladas até no coração da Europa. A França vive madrugadas em chamas nos seus subúrbios e as explosões estão presentes em vários países, não só do mundo árabe.

É claro que todos já estão tentando entender esse complexo mundo admirável da sociedade em rede; mais do que isso, o sentimento de revolta das pessoas marcadas pelo desencanto, pela miséria é explosivo, ele reage como reação em cadeia, os exemplos do mundo árabe tocam profundamente no sentimento e no íntimo das pessoas. Elas descobrem que podem ser participantes, agentes da história, e então começam a se manifestar.

Aqui em Santiago, as camadas médias urbanas, especialmente as jovens e com maior potencial de revolta e indignação, estão vendo que têm força, estão organizados numa rede nunca vista em nossa cidade; os velhos políticos e coronéis não leem face-book e nem twitteres e por isso mesmo nem imaginam onde já anda essa articulação rebelde. E para agravar tudo, os políticos ainda enveredam pela senda dos mais ricos, dos mais fortes e dos mais poderosos, por exemplo, nessa questão do novo código florestal, nossa juventude rebelde está massivamente contra e os políticos locais estão andando na contramão, jogando gasolina no incipiente incêndio que já começa a ser formar em Santiago ao defenderam as propostas do agronegócio e do latifúndio, ávidos por mais áreas para aumentaram seus lucros, mesmo que isso implique no vilipêndio ao meio ambiente.  É um erro monumental o que eles estão praticando.

Por outro lado, se essa onda de protestos do mundo árabe se estender por mais alguns meses, e agora ela tomou novo rumo com as decapitações ao vivo pela net, e se – porventura – se prolongar como se prolongou no leste europeu do início dos anos 90, até as eleições municipais do ano que vem, eu sustento que estará gerado o clima mudancista em Santiago. Não sei se a oposição local já aprendeu a ler, mas se perceberem que existe o espírito (hegeliano) pairando no ar, como um sentimento entranhado nos corações, será uma eleição bem complicada e toda a lógica que até aqui vínhamos operando, pode se desfazer, surgindo então uma outra lógica, tão irracional quanto a mudança pela mudança. E aí é que reside o perigo, pois a irracionalidade da mudança cega corações e mentes, todo o espírito mudancista é rebelde e aí os que andam defendendo o latifúndio e o agronegócio, dando às costas às suas bases, que não podem nem ouvir falar em agronegócio e latifúndio, pagarão um preço muito alto, pois serão identificados como símbolos adversos.

Outro dia, um blogueiro disse que o que eu escrevo são loucuragens. Mas espero que aqueles que saibam ler um pouco adiante do óbvio, que levem a sério essa postagem, ela é maldita e profética.  Afora isso, é embasada por um bom leitor social, que sabe entender o que está acontecendo e relacionar o todo com o nosso particular microcosmos.

A mudança está ar. Resta saber como nossas forças políticas reagirão ao verem a luz de minha lanterna. (não é loucuragem é a lanterna de Diógenes que uso para  ilustrar a metáfora). Procurem saber o que é lanterna de Diógenes antes de me criticarem.

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