Hoje vou render uma homenagem diferente; vou render uma homenagem a minha própria filha, uma menina de 12 anos de idade, a mais perfeita síntese atravessada do feminismo pós-moderno.
Nina completou 12 anos dia 04 de junho de 2022. Criei minha filha dentro de Igrejas, cantando hinos, ouvindo a bíblia e pensava um fazê-la diferente de tudo o que eu sou ou fui.
Mas como diz Khalil Gibran: “Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.”
Logo compreendi que minha filha não era minha filha, ela era filha do mundo, tinha suas ideias próprias , logo declarou-se atéia, avessa a família tradicional, muito cedo começou bater contra o patriarcado, assumiu a defesa das minorias discriminadas, assumiu uma postura anti-bolsonarista, embora aluna de uma escola de padres pediu-me pela escola pública, consegue ser bem mais radical que a Luciana Genro. E isso que eu não a criei. Acho que a Luciana teria orgulho dela (ou não) … pois acompanhei parte da luta de Luciana com o Tarso e o choque de ideias era latente em tudo.
Lembro-me que uma noite o Tarso me convidou para jantarmos, era o ano de 1987. Eu tinha ido com ele num debate na Unisinos. Conosco dois procuradores federais, nem me lembro seus nomes. Tarso estava p da cara com Luciana. Dias atrás, o José Genuíno esteve fazendo uma palestra na UFRGS e a Luciana lascou uma pergunta sobre a autonomia da mulher e a independência dos filhos. Eu ri muito da versão e da forma como o Tarso me contou a história, mas entendi tudo e as razões pela quais ele contava-me. Luciana era mesmo atravessada e adorava comer feijão gelado na madrugada, quando assaltava a geladora da dona Sandra.
Eu não criei Nina. Minha separação da mãe de Nina se deu por vontade exclusiva da mãe. Por mim, meu desejo era criar minha filhinha, deixá-la dormir sobre minha barriga e varar a madrugada na sala contando histórias e fantasias.
Chorei e sofri com a separação. Tudo o que eu desejava no mundo era poder criar minha filha. Queria fazê-la conservadora, cristã, recatada e do lar.
Quando eu menos espero, Nina é avessa a tudo que eu sempre defendi. Não é confusa em nada, sabe muito bem o que quer, e como sabe. Sua condição feminina é sua, não gosta de vestes femininas de moda, gosta de camisetas de bandas de rocks, pretas, calças largas, tênis pretos e diz que as roupas que sua mãe as faz usar são roupas odiosas: calças coladas, Nina é avessa a mostar os seios e não gostar de exibir seus predicados femininos. Seus camisetões gigantes são suas marcas ao lado de colares de calheiras.
Eu quis que ela tocasse violino. Mas preferiu flauta. Odeia aulas de religião e acha que o Putin está errado ao invadir a Ucrânia e não cede um milímetro nas discussões comigo.
Saiu petista até o último fio de cabelo, apoia o MST, e é identificada com todas essas feministas que eu não suporto.
Ao mesmo tempo, é um doce só comigo. Não briga, não impõe nada, respeita o que eu penso, e é um docinho completo.
Tomou suas mais importantes decisões. Não teme tomá-las e enfrenta adversidades que eu, aos 12 anos, não teria coragem de tomá-las. Sua liberdade e suas escolhas valem mais que qualquer coisa nessa vida. Quer respeito ao seu modo de pensar.
Eu a compreendo como ninguém. E ela sabe que eu a compreendo. Assim como ela sabe do meu amor paterno, pois ela é livre e não aceita cobranças.
Minha filha é uma síntese perfeita do que é ser uma mulher, embora seja uma pré-adolescente, recém completou 12 anos. É uma revolucionária ao modo dela, ao seu jeito, a sua liberdade. Determinada, corajosa, firme e decidida. É uma filha da vida e do mundo. Uma guerreira, veio para desbravar horizontes, romper com o que é e quebrar com o que está.
Nina, seu nome é bem sugestivo. Eis o retrato mais fidedigno do alçar vôos em busca da liberdade.
Que voe minha filha e que encontre seu rumo, seu caminho e sua identidade. Seja qual for seu rumo, seu caminho, sua liberdade e suas escolhas, eu sempre a amarei e sempre terei muito orgulho do que ela quiser e de suas escolhas.
Eis minha filha, uma filha da vida e do mundo.