Poder Judiciário manda o Banrisul devolver dobro dinheiro retirada da conta salário de correntista

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Em ação patrocinada pelo Advogado Júlio César de Lima Prates contra o Banrisul, foi determinado que o Banco devolva os valores descontados da conta salário de correntista. O Estado-juiz condenou o banco a corrigir os valores e a pagar 15% sobre o valor da causa ao advogado da correntista.

A SENTENÇA

COMARCA DE SANTIAGO
1ª VARA CÍVEL
Avenida Batista Bonotto Sobrinho , 157
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Processo nº: 064/1.18.0001251-1 (CNJ:.0002784-63.2018.8.21.0064)
Natureza: Ordinária – Outros
Autor: A. M. F.
Réu: Banrisul S.A.
Juiz Prolator: Juíza de Direito – Dra. Ana Paula da Silva Tolfo
Data: 07/11/2019

Vistos etc.
AMF ajuizou pedido declaratório de ilegalidade de retenção de salário em face de Banco do Estado do Rio Grande do Sul – Banrisul S/A, alegando, em síntese, que o banco requerido estava indevidamente retendo de seus vencimentos uma quantia mensal. Referiu que era usuária dos serviços prestados pelo Banrisul em razão da conta-salário nº 38 08 65 12 12, agência nº 0360, para onde eram depositados os seus vencimentos desde o mês de janeiro de 2018, haja vista a venda da folha de pagamento da EMATER RS ASCAR para o Banrisul. Afirmou que a atitude do banco requerido dificultou em muito a sua vida, pois houve o comprometimento de sua renda familiar. Requereu, em antecipação de tutela, que o banco requerido devolvesse o valor retido de sua conta-salário. No mérito, postulou o julgamento de procedência da ação, com a cessão da prática de retenção efetivada pelo demandado. Solicitou a concessão do benefício da AJG. Juntou procuração e documentos (fls.02/12).

Confrontada com a determinação das fls. 13/v, a autora recolheu as custas (fl. 15).

Determinada intimação da requerente para que buscasse a resolução do problema por meio do Projeto Solução Direta do Consumidor, bem assim determinada a emenda da inicial e indeferido o pedido liminar (fls. 19/20v).

Manifestou-se a parte autora emendando a inicial, informando que o Banrisul não havia respondido ao PROCON e que continuava tendo descontado valores de sua conta-salário (fls. 23/26).
Homologa a emenda, recebida a inicial como ação de obrigação de não fazer cumulada com exibição de documentos e mantido o indeferimento da liminar (fls. 27/v).
O banco foi citado e não apresentou contestação ao pedido (fl. 96v), com o que lhe fora decretada a revelia. Determinada ainda a intimação do Banrisul para que juntasse ao feito todos os documentos firmados entre as partes que dissessem respeito ao desconto impugnado pela parte autora (fl. 97).

A parte autora formulou pedido de reconsideração da decisão que indeferiu o pedido liminar (fls. 33/37), sobrevindo a manutenção do indeferimento da liminar (fls. 38/v).

O Banrisul apresentou defesa intempestiva, aduzindo, em resumo, que os valores retidos na conta da autora referiam-se às pendências relativas à conta-corrente, operações de crédito 1 minuto, crédito pessoal e consignado. Explicou, assim, que, existindo débito em nome da parte autora a ser pago em favor do banco requerido, era direito deste realizar as medidas cabíveis e legais a fim de receber os valores que lhe eram devidos, conforme Resolução do Banco Central nº 3.402/2006, em seu art. 2º, § 1º, inciso II. Defendeu, assim, que, não existindo vícios na operação firmada, tendo objeto lícito, e sendo juridicamente possível, não se encontrava justificativa plausível para a declaração de inexistência. Requereu o julgamento de improcedência da ação. Juntou procuração e documentos (fls. 99/111).
Sobre a peça apresentada pelo banco, manifestou-se a autora (fls. 113/117).

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório. Passo a fundamentar a decisão.

Inicialmente, alerto para a já decretada revelia do banco requerido (fl. 97), considerando que foi citado (fl. 328v) e não apresentou contestação ao pedido. Dessa forma, conforme art. 344 do CPC, devem ser presumidas por verdadeiras as alegações de fato formuladas pela autora na inicial.

Cabe registrar, no entanto, que a presunção de veracidade dos fatos articulados na inicial não é absoluta, devendo o juízo, quando da prolação da sentença, verificar os elementos trazidos e, com base no juízo da verossimilhança e plausibilidade, julgar de acordo com a sua convicção, proferindo sentença justa e equilibrada.

Dito isto, é possível que se passe, diretamente, ao julgamento antecipado do mérito, na forma do art. 355, I e II, do CPC, uma vez que o banco réu é revel, ocorre no caso o efeito previsto no art. 344 do CPC e não há requerimento de prova, na forma do art. 349, do mesmo código.

Antes disso, porém, observo, considerado o fato de que “o revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar” (art. 346, parágrafo único, do CPC), bem assim que ao revel é “lícita a produção de provas, contrapostas às alegações do autor, desde que se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis a essa produção” (art. 349 do CPC), que serão consideradas pelo juízo as razões trazidas na intempestiva contestação das fls. 99/101.

Adianto, não obstante plausíveis os fundamentos trazidos pelo Banrisul, no caso concreto, considerando que, além de revel, o banco não produziu prova clara e inequívoca quanto à alegada legalidade das retenções operacionalizadas nos proventos da parte autora, merece ser julgado procedente o pedido.

Ocorre que, ônus que lhe incumbia, não provou o banco a origem dos descontos efetivados nos proventos da demandante, limitando-se a fazer alegações genéricas (no sentido de que os valores referiam-se a “pendências relativas à conta corrente, operações de crédito 1 minuto, crédito pessoal e consignado” – fl. 100), o que, por si só, não comprova que a retenção dos valores foi devida.

No particular, anoto que nem mesmo os documentos juntados pelo Banrisul às fls. 107/111 servem de prova apta a justificar de onde provieram as retenções nos proventos da consumidora, já que a documentação apenas mostra a existência de contratação entre as partes, mas nada traz a respeito das formas contratadas para o pagamento das parcelas, sem se falar que, pelas datas de vencimentos previstos naqueles “espelhos” (05/08/2015, 01/11/2014, 01/08/2013, 01/01/2014 e 01/06/2014), já teriam inclusive sido finalizadas aquelas contratações.

Lembro também aqui, pois, que o banco demandado igualmente não explicou a razão pela qual ainda se encontra descontando valores dos proventos da parte autora a partir dos contratos descritos nas telas de consulta das fls. 107/111. Sequer afirmou, por exemplo, que as parcelas continuaram sendo descontadas (mesmo já depois de superados os seus vencimentos finais), porque restaram eventualmente inadimplidas nas datas de seus respectivos vencimentos regulares (por falta de saldo em conta ou margem consignável, por exemplo).
Nesse cenário, não bastasse o fato de que o Banrisul foi revel no processo, faço notar que, mesmo tendo sido pontualmente intimado para tanto (fl. 97), não juntou cópia dos contratos e cláusulas que eventualmente justificassem a retenção levada a efeito de parte dos proventos recebidos pela parte autora.

Ou seja, ônus que lhe incumbia (e que poderia implicar no julgamento de improcedência do pedido), não juntou o banco as cópias dos contratos constando as condições ajustadas para o pagamento das parcelas dos empréstimos contraídos e eventualmente pendentes de quitação.

Aliás, em atenção aos valores que foram descontados da requerente, conforme mostram os contracheques e extratos bancários das fls. 43/52, igualmente não trouxe o banco qualquer explicação quanto à origem do valor específico descontado dos proventos percebidos pela autora, limitando-se a alegar em sua peça intempestiva das fls. 99/101, reitero, que as retenções tinham origem nos contratos celebrados entre as partes.

Sendo assim, além de não justificada a legalidade das retenções, o juízo ao menos teve condições de apurar se a instituição ré respeitou o limite máximo previsto em lei para o desconto de salários – valores alimentares – recebidos pela autora.

, reafirmo aqui, os contratos descritos na contestação (fl. 100), conforme telas das fls. 107/111, já alcançaram seus vencimentos em 05/08/2015, 01/11/2014, 01/08/2013, 01/01/2014 e 01/06/2014.
Portanto, não tendo o banco comprovado a legalidade das retenções efetivadas na conta-salário da autora, tem-se como indevidos os descontos, de modo que deverá o Banrisul S/A cessar as retenções, bem como devolver à autora os valores que lhe foram descontados.
No mesmo sentido que ora se julga, exemplifica-se com os seguintes arestos do TJRS, verbis:

Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE DÉBITO E REPETIÇÃO DO INDÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO PESSOAL. RETENÇÃO INDEVIDA DO VALOR DO EMPRÉSTIMO NA CONTA CORRENTE DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO EM DOBRO DO VALOR. DANO MORAL. NÃO CONFIGURADO. 1. No caso, o réu não logrou comprovar a existência de fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito pela autora postulado, a teor do disposto no art. 373, inc. II, do CPC, pois o Banco, ao apresentar contestação, não demonstrou a efetiva legalidade na retenção do valor do empréstimo, limitando-se a fazer alegações genéricas, o que, por si só, não comprova que a retenção do valor foi devida. 2. Deve ser determinada a restituição em dobro do indébito, nos termos do que dispõe o parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, considerando que, no caso, a retenção da quantia não caracteriza erro justificável. 3. A retenção indevida do valor do empréstimo na conta corrente da autora, por si só, não implica ocorrência de dano moral indenizável, pois o caso dos autos não se trata de dano moral “in re ipsa”, que prescinde de comprovação, ainda mais quando sequer houve a negativação do seu nome junto aos órgãos restritivos de crédito. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70079238176, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adriana da Silva Ribeiro, Julgado em: 14-11-2018),

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVIOSINAL. TUTELA DE URGÊNCIA. DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. LIMITAÇÃO EM 30% SOBRE OS RENDIMENTOS. POSSIBILIDADE. Súmula nº 603 do STJ: É vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de correntista para adimplir o mútuo (comum) contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa, excluído o empréstimo garantido por margem salarial consignável, com desconto em folha de pagamento, que possui regramento legal específico e admite a retenção de percentual. No caso, os descontos de empréstimos na folha de pagamento são limitados ao percentual de 30% da remuneração disponível, em razão da natureza alimentar dos vencimentos e do princípio da razoabilidade. Entretanto, com relação ao pedido de suspensão dos descontos não autorizados, tenho que não há elementos suficientes nos autos que indiquem a verossimilhança das alegações, requisito essencial para concessão da tutela de urgência nos termos do art. 300 do NCPC. Reforma parcial da decisão que indeferiu a tutela antecipada. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento, Nº 70078912623, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em: 31-10-2018)

Procede, pois, o pedido da inicial, razão pela qual, impõe-se rever, neste momento, as decisões que indeferiram o pedido de liminar cessação dos descontos nos proventos da autora, deferindo-se e determinando-se, agora, a imediata cessação.

Em face do exposto, julgo PROCEDENTE o pedido contido na ação de obrigação de não fazer c/c com repetição de indébito ajuizada por Ângela Maria Freiberger dos Santos em desfavor de Banco do Estado do Rio Grande do Sul – Banrisul S/A, razão pela qual:

(1) Defiro o pedido de tutela de urgência, determinando a imediata cessação dos descontos impugnados dos proventos da parte autora – efetivados na sua conta-salário;

(2) Determino, de forma definitiva, a cessação das retenções na conta-salário da autora; e

(3) Condeno o banco requerido à repetição dos valores indevidamente descontados da parte autora, corrigidos monetariamente pelo IGP-M a contar da data de cada desconto e com juros de mora, estes também contados a partir de cada desconto/retenção indevida, conforme Súmula 54 do STJ.

Sucumbente, condeno ainda o requerido ao pagamento das custas processuais, bem como de honorários advocatícios devidos ao procurador da autora, estimados no equivalente a 15% sobre o valor atualizado da condenação, na forma do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Sobrevindo recurso, considerando a nova sistemática implementada pelo Código de Processo Civil:

a) dê-se vista ao apelado para contra-arrazoar, querendo, no prazo legal.

b) em caso de recurso adesivo, ao apelante/recorrido para contrarrazões na forma do §2º do art.1.010 do mesmo diploma processual.

c) tudo cumprido, com a regularidade das intimações e independente de nova conclusão, remeta-se o feito ao Tribunal de Justiça.

Santiago, 08 de novembro de 2019.

Ana Paula da Silva Tolfo
Juíza de Direito

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