É uma oportunidade rara para ler esse clássico:
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Sumário e Trechos
Sumário
7 Prólogo
15 Distribuição
21 Maneiras trágicas de matar uma mulher
27 A Corda e o Gládio
Um suicídio de mulher
por uma morte de homem 27
Uma morte desprovida de andreia 29
A incisão no corpo viril 33
Enforcamento ou sphagé 36
A esposa que se lança 42
O silêncio e o segredo 48
No thálamos: morte e casamento 51
Morrer com 53
A glória das mulheres 56
63 O sangue puro das virgens
Sacrifícios em que é bom pensar 64
Novilha, poldra: domadas 68
Da execução como casamento 72
Liberdades virginais 80
A glória das moças 88
91 Lugares do corpo
0 ponto fraco das mulheres 92
Enumeração do corpo viril 97
A alternativa de Polixena 101
116 Notas
139 Sobre a autora
Prólogo
“Mortes representadas em cena, grandes dores,
ferimentos”: acontecimentos da tragédia, espe-
táculos para os olhos. Considerando os exem-
plos dados por Aristóteles para ilustrar sua
definição do pathos trágico como “ação causa-
dora de destruição ou dor” 1 quem poderia
duvidar um instante sequer de que, no teatro
ateniense, a morte não tenha sido realmente
exposta à visão do espectador? Thanatói en tói
phanerói: agonias em público, assassínios di-
ante dos olhos de todos... Lendo mais uma vez
com perplexidade a frase de Aristóteles, tomo
a decisão de advertir o leitor de que, nas pági-
nas seguintes, o ouvinte da tragédia levará
vantagem sobre o espectador: tudo passa pelas
palavras, porque tudo se passa nas palavras,
principalmente a morte. Investigando as mo-
dalidades trágicas da morte das mulheres, nada
encontrei que seja visto ou que seja primeiro
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visto. Tudo começou por ser dito, por ser ou-
vido, por ser imaginado – visão nascida das
palavras e presa a elas. Assim, ao empenhar-me
em um longo exercício de leitura, tentei captar,
pura e simplesmente, aquilo que dava de ime-
diato ao público antigo o gozo intenso do pra-
zer de ouvir.
Palavras lidas para substituir ou mesmo
para reencontrar as palavras ouvidas, aquelas
que a representação trágica oferecia à escuta
ativa do público ateniense. Palavras de duplo ou
múltiplo sentido. Em síntese, texto, nada mais
que texto. Pode ser que contar “muito mais com
a imaginação que com a vista, mais com o
ouvido que com o olho” 2 seja uma escolha
minha, mas que importa? Na Atenas do século
V a.C, essa foi a escolha do gênero trágico.
Não tentarei prová-lo. Precisaria para tanto de
mais que um prólogo, e somente por prazer, ou
de memória, evocarei algumas das razões que
levam a colocar a tragédia sob o signo da es-
cuta.
Há, inicialmente, as razões do historiador.
Seria necessário evocar o apego decididamente
etimológico dos gregos à sua língua e o amor
que eles demonstram por suas palavras (que
eles chamam de “nomes”). Conviria lembrar
até que ponto, no século V ateniense, as regras
da escuta dominam esses discursos cívicos que
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denominamos um pouco impropriamente gê-
neros literários. Ouso mesmo formular a hipó-
tese de que, no teatro de Atenas, a escuta era,
para o público da representação trágica, como
que uma leitura muito refinada, à altura da
“profundidade” do texto3. Se o espectador anti-
go, tal como gostamos de imaginá-lo depois de
1er Jean-Pierre Vernant, tiver sido esse espec-
tador de ouvido apurado para quem a “lingua-
gem do texto pode ser transparente em todos os
níveis, em sua polivalencia e em suas
ambigüidades”4, então temos de atribuir a esse
ouvinte onipotente uma atenção da qual o mí-
nimo que se pode dizer é que ela quase não
tinha flutuações, uma memória por nós total-
mente esquecida e a capacidade espantosa de
realizar o longo trabalho sobre o significante
durante o curto tempo da representação teatral.
Ficção, talvez, mas ficção necessária. Podemos
então formular a hipótese de que, arrebatado
pela profundidade polissêmica do texto, o leitor
se empenha na interminável busca das palavras
em eco.
O historiador já se afastou na ponta dos
pés. Resta o texto e, diante do texto, seus usu-
ários muito contemporâneos. Na primeira linha
destes estão o diretor e os atores. Não espere-
mos, entretanto, que eles tornem a dar um cor-
po à idéia de espetáculo5. Por pouco que seja
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interrogado, o diretor confessará a dificuldade
que enfrenta para convencer os atores a dizerem
– a somente dizerem e sobretudo a não repre-
sentarem – as grandes unidades textuais com-
ponentes de uma tragédia: o coro do Agamêm-
non sobre o sacrifício de Ifigênia, a narração da
morte de Dejanira nas Traquínias ou a imola-
ção de Polixena na Hécuba6.
Resta ao leitor, então, aceitar até o fim a
aposta no texto. Leitora de tragédias, não tive
aliás escolha. Fui constrangida a isso desde que,
procurando traçar as vias trágicas da morte das
mulheres, tive de admitir que essas vias eram
textuais. Nada encontrei além da narração.
Como se só se pudesse confiar a morte das
mulheres às palavras, como se apenas as pala-
vras soubessem levá-la a termo. Para isso há
seguramente razões históricas, razões de civi-
lização: uma mulher grega vivia sua existência
de moça, de esposa e de mãe no lugar mais
recôndito da casa; ela também devia partir desta
vida de sua casa bem fechada, ao abrigo dos
olhos, longe de todo o público. Mas, seja como
for, a decência, ainda que sociológica, nunca
bastou para explicar tudo.
Não é difícil admitir que os sacrifícios das
virgens – este puro desvio – só possam rea-
lizar-se no terreno da narração; a tragédia co-
loca as moças em cena apenas para dela tirá-las
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e para entregá-las, longe dos olhos, ao cútelo do
degolador: execução escandalosa, ficção satis-
fatória narrada passo a passo pelos mensageiros
em linguagem técnica cujas palavras carregam
o impensável com todo o peso do real. Faz bem
matar as moças em pensamento, em narração.
Mas há também o suicídio das esposas, que
vem complicar tudo, porque é revelado também
pela narração, e não pela visão. Estarão essas
desesperadas realmente cometendo uma espé-
cie de transgressão, para terem de voltar a ocu-
par precipitadamente seu lugar – sombrio,
oculto, fantasmático – para então encontrarem a
morte cuja narração ao público dependerá de
uma ama ou de um servidor? É nessa reticência
em mostrar a morte que a invenção trágica da
feminilidade encontra, sem dúvida alguma, seu
limite, com essa maneira que as esposas perdi-
das têm de voltar ao seu lugar para rematar uma
ortodoxia. Mas isso não é tudo: recorrer à or-
dem da linguagem7 para matar Fedra ou Deja-
nira talvez seja uma das dimensões