LIMITES E RESPONSABILIDADES

General Mourão/Vice Presidente do Brasil

Publicado no Jornal Estadão/SP

Nenhum país do mundo vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional, que agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos. Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades constituídas.


A esta altura, está claro que a pandemia de covid-19 não é só uma questão de saúde: por seu alcance, sempre foi social; pelos seus efeitos, já se tornou econômica; e por suas consequências pode vir a ser de segurança.

A crise que ela causou nunca foi, nem poderia ser, questão afeta exclusivamente a um ministério, a um Poder, a um nível de administração ou a uma classe profissional. É política na medida em que afeta toda a sociedade e esta, enquanto politicamente organizada, só pode enfrentá-la pela ação do Estado.


Para esse mal nenhum país do mundo tem solução imediata, cada qual procura enfrentá-lo de acordo com a sua realidade. Mas nenhum vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional que já vinha ocorrendo, mas agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos e pode ser resumido em quatro pontos.


O primeiro é a polarização que tomou conta de nossa sociedade, outra praga destes dias que tem muitos lados, pois se radicaliza por tudo, a começar pela opinião, que no Brasil corre o risco de ser judicializada, sempre pelo mesmo viés.

Tornamo-nos assim incapazes do essencial para enfrentar qualquer problema: sentar à mesa, conversar e debater. A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos.

Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação.

Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia.

O segundo ponto é a degradação do conhecimento político por quem deveria usá-lo de maneira responsável, governadores, magistrados e legisladores que esquecem que o Brasil não é uma confederação, mas uma federação, a forma de organização política criada pelos EUA em que o governo central não é um agente dos Estados que a constituem, é parte de um sistema federal que se estende por toda a União.


Em O Federalista – a famosa coletânea de artigos que ajudou a convencer quase todos os delegados da convenção federal a assinarem a Constituição norte-americana em 17 de setembro de 1787 –, John Jay, um de seus autores, mostrou como a “administração, os conselhos políticos e as decisões judiciais do governo nacional serão mais sensatos, sistemáticos e judiciosos do que os Estados isoladamente”, simplesmente por que esse sistema permite somar esforços e concentrar os talentos de forma a solucionar os problemas de forma mais eficaz.


O terceiro ponto é a usurpação das prerrogativas do Poder Executivo. A esse respeito, no mesmo Federalista outro de seus autores, James Madison, estabeleceu “como fundamentos básicos que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário devem ser separados e distintos, de tal modo que ninguém possa exercer os poderes de mais de um deles ao mesmo tempo”, uma regra estilhaçada no Brasil de hoje pela profusão de decisões de presidentes de outros Poderes, de juízes de todas as instâncias e de procuradores, que, sem deterem mandatos de autoridade executiva, intentam exercê-la.


Na obra brasileira que pode ser considerada equivalente ao Federalista, Amaro Cavalcanti (Regime Federativo e a República Brasileira, 1899), que foi ministro de Interior e ministro do Supremo Tribunal Federal, afirmou, apenas dez anos depois da Proclamação da República, que “muitos Estados da Federação,
ou não compreenderam bem o seu papel neste regime político, ou, então, têm procedido sem bastante boa fé”, algo que vem custando caro ao País.


O quarto ponto é o prejuízo à imagem do Brasil no exterior decorrente das manifestações de personalidades que, tendo exercido funções de relevância em administrações anteriores, por se sentirem desprestigiados ou simplesmente inconformados com o governo democraticamente eleito em outubro de 2018, usam seu prestígio para fazer apressadas ilações e apontar o País “como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global”, uma acusação leviana que, neste momento crítico, prejudica ainda mais o esforço do governo para enfrentar o desafio que se coloca ao Brasil naquela imensa região, que desconhecem e pela qual jamais fizeram algo de palpável.


Esses pontos resumem uma situação grave, mas não insuperável, desde que haja um mínimo de sensibilidade das mais altas autoridades do País.

Pela maneira desordenada como foram decretadas as medidas de isolamento social, a economia do País está paralisada, a ameaça de desorganização do sistema produtivo é real e as maiores quedas nas exportações brasileiras de janeiro a abril deste ano foram as da indústria de transformação, automobilística e aeronáutica, as que mais geram riqueza. Sem falar na catástrofe do desemprego que está no horizonte.


Enquanto os países mais importantes do mundo se organizam para enfrentar a pandemia em todas as frentes, de saúde a produção e consumo, aqui, no Brasil, continuamos entregues a estatísticas seletivas, discórdia, corrupção e oportunismo.


Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas.

O Brasil numa encruzilhada

É inegável que o Brasil que vive um confronto entre dois campos ideológicos distintos. De um lado, a defesa da quarentena e a não circulação de pessoas como forma de evitar mais contaminações. De outro, a defesa da volta ao trabalho para não quebrar a economia, mesmo sem o controle das contaminações.

As paixões ideológicas pautam o debate, isso é inegável.

A grande questão que aflora é o dilema entre a volta à normalidade das atividades econômicas e a relação com as crescentes contaminações. Hoje mesmo a prefeitura de Canela tornou público que trabalhadores que não estavam em quarentena foram contaminados. Hoje, é manchete as 300 demissões na GM de Gravataí.

Desde cedo percebi esse dilema. Antes de paixões afloradas, de um lado ou outro, o caso requer parcimônia, bem senso e muita análise crítica, à luz dos dois campos de argumentações e sua respectivas narrativas.

Ambos os lados têm argumentos fortes.

A questão que mais aflora – sem sombras de dúvidas – é que a volta massiva das atividades econômicas, sem o devido controle do vírus, implicará – sim – em um elevado complexo de contaminação em massa. E aí a situação se torna imprevisível, com a exposição e morte dos mais vulneráveis, colapso nos sistemas estaduais de saúde e funerários. A questão toda é que a contaminação pode – sim – sair de controle.

Por outro lado, é claro que razão assiste aos defensores da retomada da economia. Mas essa deverá ser altamente educada, lenta, gradual e proporcional à dominação do vírus e achatamento da curva crescente de contaminações e óbitos.

De qualquer forma, é tudo muito complexo. Vejamos esse caso da GM de Gravataí. São 300 chefes de famílias desempregados. Como vão manter a alimentação dos seus filhos e de suas famílias? Esse é outro lado dessa controversa questão.

Os relatos que lemos de moradores de zonas mais fragilizadas, das comunidades do Rio de Janeiro passando pelas comunidades do nordeste e norte, chegando a São Paulo, é que as pessoas simplesmente não têm como resistirem à fome e isso explica à ruptura das quarentenas e à exposição ao vírus ante o assolamento de necessidade iminente de alimentação.

O Brasil vive uma encruzilhada complexa e de difícil equacionamento.

A pauta deve ser o bom senso. A busca negociada de soluções, a necessária ruptura de paixões ideológicas e a construção da fraternidade e a solidariedade de guerra.

Do contrário, o imprevisível será nossa bandeira.

A crise financeira que se abateu sobre as categorias profissionais

Tenho conversado com colegas advogados e os relatos da precária situação financeira são assustadores. O advogado, liberal autônomo, sem outra renda, vive um caos sem precedentes. Houve um movimento em Porto Alegre e não sei os desdobramentos, mas pediam um auxílio de um salário mínimo ao tribunal de justiça. Sugeri ao movimento que era mais prático se inscrever no auxílio emergencial do governo federal, dado nossa condição de autônomos.

O OAB de São Paulo passou a distribuir cestas básicas para os advogados mais prejudicados pela extensão da crise, com o assim chamado auxílio alimentar.

Como muito bem me relatou o colega Paulo Bandeira, com honestidade e transparência, o último ingresso de receita em seu escritório ocorreu em setembro do ano passado.

Comigo, aconteceu exatamente isso. O último ingresso que eu tive de atividades jurídicas propriamente ditas, aconteceu – também – em setembro de 2019. Participo de dois grupos de whatsapp e os relatos de quem vive – exclusivamente – da advocacia são todos semelhantes. As pessoas pararam de pagar e o caos tomou conta. Paralelo a isso, enfrentamos a greve, férias forenses e agora a pandemia.

Enfrentar a dificuldade de frente, sem mascarar a realidade, é admitir que um trabalhador jurídico é um trabalhador como outro qualquer; o mesmo está acontecendo com os jornalistas, com demissões em massa nos grandes veículos (só a Editora Abril demitiu 800 profissionais de mídia).

Outro dia um colega advogado, no auge de sua seriedade, me disse que se não fosse beneficiado com o auxílio emergencial, estava prestes a assumir uma outra atividade, pois sua situação era desesperadora.

Mesmo com a volta das atividades forenses e a reaberturas dos escritórios, ainda vai um bom tempo para a situação normalizar. É patético que estejamos passando por tudo isso. Mas é o custo de quem opta por trabalhar por conta e a grande maioria dos advogados são pessoas decentes, honradas, que vivem do suor do seu trabalho. É claro, têm advogados ricos, com poupança, com outras rendas, mas estes são uma minoria, perto do grande contingente da categoria.

Tenho recebido relatos de advogados militantes de Sapucaia, Canoas e Guaíba. A situação é mesma. Alugueres atrasados, contas atrasadas, em suma, a situação é a mesma nas regiões metropolitanas, talvez até pior, dado ao elevado custo de vida.

É claro, a crise atingiu em cheio diversas categorias profissionais, regulamentadas ou não. Eu sei dos colegas de gráficas, onde eu participei, que praticarem fecharam as portas.

Não sei se nesse ano de 2020 conseguiremos voltar à normalidade. Temo que não. E o peso de uma realidade socioeconômica que se abateu sobre todos nós que vivemos do nosso trabalho autônomo. Quem ainda tem uma renda fixa, não estão sendo tão atingidos. Mas e se o pior ainda acontecer?