Um dos filmes mais chocantes que assisti foi BALADA DE NARAYAMA. Narra o drama de uma mãe, que, aos 69 anos, decide cumprir o ritual daquela vila do interior do Japão, que é ir para o topo da montanha sagrada e lá aguardar a morte. O filme é de uma sensibilidade extraordinária, não sem razão o diretor Shohei Imamura levou o Palma de Ouro, de 1983.
Na verdade, trata-se de um suicídio branco, impulsionado pela tradição e a honra, embora na cultura japonesa os valores do suicídio sejam encarados sob um outro enfoque, bem diferente do nosso, eivado de influências cristãs/judaicas, cínicas ao meu ver, tipo entrar no cemitério com o morto suicida com os pés virados, bem ao contrário dos mortos de morte natural.
Nossa sociedade insiste em não debater e em não reconhecer o suicídio, embora as pessoas sigam suicidando-se em larga escala. O filósofo francoargelino, Albert Camus, foi quem abriu um pertinente debate filosófico sobre o direito de a pessoa escolher o destino de sua vida e escreveu : “O suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo, decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma pergunta fundamental da filosofia”. Uma contribuição séria e merecedora de reflexão.
Numa vida em sociedade, somos – todos – essencialmente diferentes. Cultuamos valores diferentes, crenças diferentes e nossos valores éticos e morais são também diferentes. A crença positiva de uma pessoa espírita diante da vida e da morte é diferente da crença diante da vida de uma pessoa marcada pelo cepticismo. Os valores dos cristãos católicos são diferentes dos valores dos cristãos evangélicos. E existem – ainda – questões pouco explicáveis, por exemplo, por que algumas pessoas têm fé e outras têm enormes dificuldades na crença metafísica.
Eu venho de um grupo social depressivo, tenho uma profunda reflexão diante da vida e uma enorme dificuldade de acreditar em alguma coisa imaterial de forma séria e eficaz. E sofro terrivelmente por tudo isso. Cada vez que me envolvo com a morte de um amigo ou conhecido, não tenho como fugir da depressão que me invade. Fico dias pensando, analisando. Acho que é uma sensibilidade na alma, no espírito, sei lá, só sei que é horrível.
Minha filhinha.
Trabalhando tudo isso, sempre orientei a Nina pelos caminhos religiosos. Ela me assusta, afinal desde 3 anos, apenas, ela me vinha com aqueles papos: “Deus não existe, eu não vejo Deus, onde está Deus então”. É claro que isso não é conversa de uma criança normal, eu nunca ensinei nada disso para ela, pelo contrário, sempre tentei transmitir-lhe a fé e a crença.
Mesmo que seja tudo uma ilusão, é melhor a fantasia para não morrermos afogados na realidade dura e cruel.
EM TEMPO: os dois melhores filmes que assisti foram BALADA DE NARAYANA e DERSU UZALA, tendo como diretor Akira KUROSAWA. Akira cortou os pulsos 30 vezes em tentativa de suicídio, e uma vez a garganta.
Quando eu fiz a primeira cadeira de antropologia no curso de sociologia estudei a questão do suicídio na cultura japonesa. Era um dono de uma fábrica que os chegar em sua empresa, os empregados estavam todos com um lenço preto atado na braço direito. A desonra foi tão grande que o empresário subiu um seu escritório, pegou sua adaga de 25 cm e suicidou-se.
Até hoje a honra no Japão é tratada como uma questão de vida ou morte e cultura do suicídio na cultura japonesa é muito mal estudada entre todos nós.
Os homens honrados no Japão, diante de uma desonra familiar, que envergonhe sua família, cometem o suicídio, fato totalmente adverso da nossa cultura onde não temos honra, pudores e nem vergonha.