Sangues conexos e vidas transversas

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*JULIO CESAR DE LIMA PRATES

JANDIRA SOALRES DE LIMA
JANDIRA SOARES DE LIMA

Hoje eu encontrei meu primo de sangue, Luiz Carlos Lima, que é oficial do Exército e contou-me detalhes da morte do seu ´pai, ROMEU SOARES DE LIMA.

Descobri lendo um livro do advogado JOSÉ ÉLVIO SIMÕES que os SOARES eram todos bandidos, carniceiros e tinham vindo aqui para o Rincão dos SOARES devido a quantidade de mortes que tinham praticado em SÃO PAULO. Essa é a versão do livro.

O nome mais expressivo da bandidagem em nosso meio foi do DEIO RANCHÃO SOARES e criei-me ouvindo sobre suas histórias contadas por minha mãe.  Quando RANCHÃO era cassado, ele tinha hábito de frequentar o fundo de nossa casa, no terceiro distrito de SANTIAGO.

Minha mãe levava comida ao Ranchão e sempre preparava chás de hortelã para sua melhor digestão. Lembro-me dos relatos de que minha irmã mais velha, que era muito criacinha, mas com seus cabelinhos loiros, Ranchão adorava fazer-lhe carinho nos cabelos.

Antes de ser assassinado  RANCHÃO deu de presente a minha mãe um pequeno punhal, um canivete, até hoje não entendi direito essa faca de DEIO. Ele doou a minha mãe com a condição de que se ela tivesse um filho homem doasse a esse o seu punhal que ele usava para degolar.

Minha mãe tinha umas latas de balas da Argentina, onde ela morou com seu pai, e guardava velhos documentos de minha família e guardava junto o punhal que fora de DEIO RANCHÃO SOARES.

Hoje meu primo me perguntou se eu ainda tinha o punhal de RANCHÃO,  ao que respondi que sim, mas segui o conselho de minha amada mãe, nunca matar um inocente e nem usar o punhal de DEIO sem sentido. Uso-o quando vou almoçar e tenho um carinho pelo presente, pois eu tenho o sangue de RANCHÃO.

Mas eu sei muito bem que por algum motivo DEIO RANCHÃO SOARES quis presentear-me com seu punhal, sendo que eu sequer era nascido.

A minha mãe sempre soube que eu precisaria degolar alguém, ela, estranhamente, sempre soube.

Meu primo me contou detalhes da morte do tio ROMEU SOARES DE LIMA. Ele estava com 99 anos, às vésperas de completar 100 anos. Meu tio era uma pessoa fabulosa, um grande nadador, atravessava o Rio Uruguai a nado, mas tinha um lado desconhecido: ele cruzava sementes de flores e tinha nos canteiros da praça de Florida rosas com a metade branca e a outra metade vermelha. Eu nunca soube como ele fazia isso, mas hoje seus cruzamentos teriam um grande valor, embora ele fosse como eu, sem ligar para dinheiro.

Aos 99 anos, tomou mate, não almoçou e o meu primo o levou ao Hospital Militar. A Karine Peixoto, que é médica, visitou-o pouco antes de sua morte. Mas hoje, Luiz Carlos Lima contou-me que ele estava muito sereno, manso e em paz. No Hospital militar aqui de SANTIAGO disse a Luiz Carlos que queria dormir, pegou a mão de seu filho, abraçou-a, e fechou os olhos. Luiz Carlos entendeu que ele houvera falecido. 

Foi muito prazeroso encontrar meu primo de sangue nessa tarde, porque somos uma geração marcada, embora eu saiba que – pelas linhas transversais conexas – alguma razão RANCHÃO tinha ao deixar para mim seu modesto punhal.  Eu costumo observar o sangue quando o tempo está para chover.

escrito direto e sem revisão . 5.07 da manhã

*Jornalista MTb-RS 11.75, Jornalista Internacional com registro de Editor nº 908225, Sociólogo, Teólogo e Advogado.

Pós-graduado em Leitura, Produção, Análise e Reescritura Textual e também em Sociologia Rural.

Autor de 6 livros e titular de blog www.julioprates.com desde o março de 2002.

 

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