Santo e profano

Ontem à tarde, conversando com um amigo, mas amigo mesmo, notei que ele estava de boa-fé comigo, querendo entender sobre um livro que eu disse ter sido editado pela minha editora, sobre línguas sagradas. Ele achou, até certo ponto que era gozação minha, e disse-me ter estranho que nunca tinha ouvido falar nesse livro. Nem vou dizer que ele tem ligações com a universidade e por isso mesmo ampliou sua dúvida, afinal como um livro sobre línguas, editado em Santiago, ter sido ignorado assim?

Paciência, o Museu de Comunicação Social da URI excluiu-me solenemente. Faz parte, eu editei mais de 20 obras diferentes, escrevi seis livros, sou editor, escritor e jornalista com mais de 3 mil artigos. Isso não importa, o que importa é que o livro de DANEA TAGE carrega a marca de minha editora.

Mas o que são tais línguas? O que Danea Tage quis dizer com isso?

Simples, vou dando exemplo. Vejamos um trecho do Capítulo III que trata do latim. “Das cinco línguas sagradas que nos propomos a estudar nessa obra, o latim, no que concerne à escrita, é a mais recente. No caso do ioruba, uma língua africana sem escrita, pode-se dizer que seja mais recente que o latim, pelo menos na forma como é conhecida hoje na Nigéria”.

“O latim faz parte da primeira das oito famílias lingüísticas determinadas pelos glotólogos, a INDOEUROPÉIA, da qual fazem parte ainda o grego e sânscrito”.

“A língua latina não é derivado do grego, nem de qualquer outra língua historicamente conhecida. Provém, como todas as línguas indo-européias, de uma língua há a muito desaparecida que, presume-se, não teve escrita…”!

“Existem teorias que propõem um tronco comum incluindo outras famílias lingüísticas, como a Semítica (ex. o hebreu) e a Camítica (ex. o ioruba), e uma que propõe um tronco comum para todas as línguas, da qual trataremos no capítulo XIV.”

“A família indo-européia é dividida em dois subramos: o índico e o Europeu. O Europeu compreende sete sub-ramos: armênio, helênico, itálico, céltico, germânico, lético-eslavo e albanês. O sub-ramos itálico abrange as seguintes línguas e dialetos:

A – o gaulês cisalpino, pertencente ao grupo céltico;
B – o etrisco, língua de uma civilização da Etrúria que foi brilhante e superou a rudeza romana (…)
C – O umbro, língua itálica (…)
D – Os dialetos da Itália central (…)
E – O osco, na Itália Meridional”.

Bem, o livro vai tratando do Latim clássico, do latim vulgar, do latim bíblico … O Capítulo IV é dedicado todo ele ao Grego.

E o livro segue, no capítulo V, é esmiuçado o Hebraico, do fenício ao aramaico…Depois estuda, nos outros capítulos, o Sânscrito, depois o Iorubá (inclusive entra na cabala iorubana)…Vai aos Mantras, trabalha o Livro Egípcio dos Mortos e a Cabala judaica, é um livro muito interessante. Uma pena que foi totalmente ignorado em Santiago. Mas, afinal, o livro ficou, e livro é livro, eu mesmo tenho aqui na minha estante livros com 160 anos. Por isso, é que estou – até certo ponto – tranqüilo: os livros ficam.

Só que eu acho engraçado, nunca ninguém se interessou em estudar esse livro. É claro, foi editado por um maldito, leva o selo de uma editora maldita, tanto que é minha. Ainda bem que o Danea Tage, o Paulo Steckel, esse é o cara das línguas … mortas.

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lama…lama, de Clara Nunes…Por isso não adianta esta no mais alto degrau da fama com a moral…

Por isso não adianta
Estar no mais alto degrau da fama
Com a moral toda enterrada na lama
Por isso não adianta 
Pelo curto tempo que você sumiu
Nota-se aparentemente que você subiu
Mas o que eu soube ao seu respeito
Me entristeceu, ouvi dizer
Que pra subir você desceu
Você desceu
Pelo curto tempo que você sumiu
Nota-se aparentemente que você subiu
Mas o que eu soube ao seu respeito
Me entristeceu, ouvi dizer
Que pra subir você desceu
Você desceu
Todo mundo quer subir
A concepção da vida admite
Ainda mais quando a subida
Tem o céu como limite
Por isso não adianta
Estar no mais alto degrau da fama
Com a moral toda enterrada na lama
Por isso não adianta
Estar no mais alto degrau da fama
Com a moral toda enterrada na lama
Pelo curto tempo que você sumiu
Nota-se aparentemente que você subiu
Mas o que eu soube ao seu respeito
Me entristeceu, ouvi dizer
Que pra subir você desceu
Você desceu
Pelo curto tempo que você sumiu
Nota-se aparentemente que você subiu
Mas o que eu soube ao seu respeito
Me entristeceu, ouvi dizer
Que pra subir você desceu
Você desceu
Todo mundo quer subir
A concepção da vida admite
Ainda mais quando a subida
Tem o céu como limitePor isso não adianta
Estar no mais alto degrau da fama
Com a moral toda enterrada na lama
Por isso não adianta
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Por que vivo, por que sofro e por que escrevo?

O que dizer e o que pensar de uma quarta-feira? Quarta-feira todos se recolhem cedo, o movimento logo acaba e parece um ritual coletivo comunitário de todos dormirem juntos.

A cidade fica estranha, às ruas vazias e a única sentença é a certeza do silêncio e que logo mais, ao clarear do dia, tudo recomeça nessa rotina amorfa. Mas todos guardam doses de esperanças e ilusões, cultuam sonhos e correm atrás deles. Outras pessoas nem tanto. Vão em busca de um destino incerto e de um calendário patético que registra os traços de uma vida já sem sentido.

Pelas filas médicas e postos ambulatoriais crassa a dor e a melhor busca de esperança reside na magia de alguma religião. Na fila do desemprego, onde arde a catinga nauseante do desespero, um novo dia é sempre um sinônimo de recomeço, visto como uma pontinha de luz numa promessa de fé.

Hoje preferi curtir a madrugada ao longo e penetrar nela sem medo das malidecências de um passado em que vivia intensamente o pavor do pânico noturno. Caminhei pelas ruas, olhei cada detalhe da arquitetura das casas, curti o vôo rasante dos morcegos e decifrei o enigma morto no horizonte pálido que não fala, mas que emite uma sentença fatal.

A praça onde sentei-me décadas a fio observando céus, nuvens e prelúdios de tempestades está deformada pela engenharia necessária de pistas de skates. Emerge uma nova paisagem urbana, um redesenho na acomodação comercial, na semeadura dos sonhos da igreja universal e na desfiguração de uma arquitetura que teve arte, traços leves e graça. Agora, é só compacto bruto de um processo embrutecedor.

O núcleo de Santiago onde impera a náusea, a semeadura da insensatez, está inerte, resistindo ao tempo e dando assas a boçalidades e complôs. Lá está o sindicato do atraso, “reconstruído” sobre heranças de um processo decadente, mas, mesmo assim, resistente, colossal e redefinido, reestilizado, reinventado. Patética heresia.

Gosto, depois de deixar o centro, estacionar o carro ao longo da rodovia que corta nossa cidade, margeando o fundo da artilharia. Afora pensar no cemitério de cavalos e na linha de tiros voltada para dentro da cidade, artes que povoaram minha imaginação inventiva de criança, tenho uma vista contemplativa do núcleo pobre, carente e indigno da cidade. A paisagem não é a mesma. A simplicidade dos traços e da lâmpada posta em frente às casas, os gritos histéricos dos cães, a poeira e o sereno que cai parece mais penetrar no abismo das almas que propriamente dito na telha das casas. Tudo é um cenário de dois mundos, duas realidades e duas construções de sonhos.

Adentro vila Jardim dos Eucaliptos em direção a vila Daer. Um povoado habitacional de expressão que cresceu e tomou um vulto avolumado. As águas sujas de esgotos correm e ouço seu ruído ante o silêncio que reina, cortado apenas por latidos e pelo rangido -ao longo- de uma bicicleta. Olho e vejo um senhor magro, pedalando ofegante. Parece carregar ferramentas, numa caixinha, na garupa. Ele passa e eu fico pensando nele. Para onde estará indo. Ainda não são 5 horas. Deve ter levantado por volta das 4 e pouco. Penso que talvez ele seja feliz. Talvez não tenha consciência da indignidade de sua vida, talvez apenas marche em busca de uma rotina que não lhe afeta sonhos e nem perturba sua existência.

Penso como teria sido diferente minha vida se não tivesse escolhido esse caminho de tentar entender as coisas e decifrar os pactos sociais. Quão bom seria ter sido eu um operário da construção civil? Não sei, nunca saberei. A única coisa que sei com grau relativo de certeza é que sou um grande curioso, gosto de ver as coisas e depois escrever, escrever e escrever.

Escrevendo tento me decifrar, mas não consigo. Sinto-me complexo, lúcido e confuso. Vale a pena perder tanto tempo com tantas ingratidões? Vale a pena ser bom ou ser mal ou ser ambos numa mesma dimensão?

E sigo buscando um sentido, uma lógica, uma escolha e uma convicção. E vou-me… madrugada adentro. Olhando e sofrendo com tudo o que vejo.

Sei que se ligar a TV, adormeço. Nem que seja por horas, de algum sono, que repare, sei lá, que apague comigo mesmo, por um tempo ou por todo o tempo e que apague, finalmente, de minha mente esse mergulho perverso de busca de dor, estranha dor, que me corrói, me alimenta e que penetra em todo o meu ser.

Depois que tudo passar, vou fingir que sou um ser normal, vou tomar uma ducha, vou vestir minhas roupas, pegar minha bolsa, assumir a identidade competitiva e mostrar o quanto estou interessado no progresso, na construção social e na política cínica dos homens que só querem tirar proveito em tudo. Vou negar que busco outro caminho e que o melhor sono seria numa sepultura, de onde não pudesse externar angústias e nem conviver com essa amarga complexidade que envolve o gênero humano. Mas enquanto faço-me aqui um projeto de missão sem ser messiânico, faço o que creio, mostro o que posso para que possamos criar as redefinições pela construção de uma vida que se mostre um pouquinho melhor. Por isso, escrevo. Por isso, vivo.

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Da violência sexual e a moral social como castração dos instintos

Certa vez, conversando com uma ex-amiga,  puxou um longo assunto comigo antes de escrever o artigo; horrorizada com a banalidade da violência sexual, ela divide-se entre a vida e propostas de direita, as quais nunca abandonou totalmente. Ela defende a castração química e outras práticas afins. Ouvindo-a, noto que ela é centrada, tem um pé na biologia e outro na ciência política, sempre.

Ela  me faz pensar longamente. Temos visões diferentes para problemas iguais. Ela acusa-me de determinismo genético, alusão a visão que tenho de que o ser humano é produto cromossômico e ponto final. O meio? Quem meio, o meio apenas é a maquilagem. O ser humano vem pronto.

Hã, se vai desenvolver suas potencialidades – ou não – é outro debate. Agora, tenho uma opinião muito forte sobre os gens da violência em nossa carga genética e isso é uma guerra que cada um de nós trava internamente. Como controlar nossos impulsos, nossos ódios, nossas violências? Esse é um bom debate.

A violência sexual é apenas um capítulo encadernado em nossas vidas. Podemos até domesticá-la a ponto de reprimi-la, mas nunca extirpa-la de nossos corações e mentes. Noto a relação absurda de nossa sociedade pós-moderna com os impulsos e desejos. De um lado, existe um apelo sexual e erotizado em tudo; nas propagandas de bebidas, de roupas, de calçados, de automóveis e até de medicamentos. Já contei essa história várias vezes. Certo dia, observava uma publicidade de sapato, onde o foco era a ingenuidade de uma menina-moça, de pernas abertas, calçinhas à vista, e – secundariamente – apresentava o sapato, embora o alvo fosse o calçado. Ademais, a foto num tom ingênuo, em cores leves, insinuando pureza, induzia todos a pensarem que se tratava de uma virgem descobrindo o mundo num par de sapatos.

O sexo violento está em todos os lugares, nos filmes, na TV, nos apelos fáceis e na comercialização, aliás, banalizado. O desejo de estupro faz parte do inconsciente coletivo coletivo da sociedade pós-moderna, embora nossos pudores de um moralismo judaico-cristão não os admitam. Eles estão a flor da pele e basta uma vertente institucional e ele toma forma. Assim o foram com os alemães, com os russos invasores da Alemanha, com os recentes processos de depuração racial na Sérvia; dos recentes processos de depuração de tribos africanas, passando pela Sérvia, em nada diferem-se dos estupros coletivos que os russos praticaram contra as indefesas mulheres alemãs na segunda guerra mundial.

O apelo do carnaval à carne, reviverá em nossas mentes a violência sexual. Estupros vão acontecer; uns virão à tona, outros, ficarão adormecidos nas páginas da vergonha familiar.

Contraditória essa etapa da vida em sociedade. Crise ética não casa com repressão aos instintos. Pelo contrário, a crise ética da sociedade, onde a cada dia os paradigmas de vergonha e moral são enterrados, apenas joga mais lenha na pressão dos mecanismos de violência. Curiosamente, eu concordo com ela numa coisa. Só regras duras e penas severas inibiriam tais crimes. Mas, no atual estágio de complacência política, onde o roubo é visto como sinônimo de malandragem e onde pessoas honestas são alvo de achincalhes – quando não taxadas de incompetentes na escalada da ascensão social – não há que vaticinar sobre endurecimento.

Ademais, a religião é o fator determinante no recrudescimento moral; o arcabouço teórico cristão poderia muito bem ser o indutor de uma nova moral fundamentalista. Mas quem quer isso?

E assim vamos indo. Todos os dias a liberdade de imprensa mostrará novos e novos atentados, novas e novas violências. E nós refletindo em meio a tudo isso. Apenas fazendo uma leitura social e socializando na interação da blogosfera.

Outro dia, ouvindo a simplicidade da expressão verbal do seu Sagrillo, refletia profundamente sobre a extensão do seu pragmatismo: a pessoa que vai muito fundo nas coisas sofre muito. Ela vê coisas que as pessoas simples não vêem.

Vejam tudo o que está envolvido num pequeno post sobre violência sexual e suas implicações. Eu agradeço a todos que interagem comigo e são partícipes dessa reflexão coletiva.

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