A advocacia do século 21

Dr. Evandro Pertence*

“Boa tarde, o ministro se encontra no gabinete?’, questionava o advogado. “Sim. Tão logo ele termine a audiência, ele atenderá”, respondia a secretária. Por mais distante ou estranho que possa soar, era comum esse tipo de diálogo na década de 1990, quando advogados e advogadas tinham acesso a gabinetes de juízes, desembargadores e ministros dos tribunais regionais e superior. Hoje, a realidade é outra. E ela é pior.

O tempo passou e as portas se fecharam. O Distrito Federal passou a sentir a diferença. Essa postura de distanciamento por parte do Poder Judiciário criou efeitos profundamente deletérios para o exercício da nossa profissão – a advocacia -, além de erigir uma categoria que precisa ser enfrentada pelos nossos conselhos de ética: os vendedores de facilidades.

A Constituição reputa a nossa profissão como indispensável à administração da justiça. Não se trata de uma proclamação retórica, tampouco de uma recomendação moral. O dispositivo abraça todas as nossas prerrogativas.
Previstas pela lei n° 8.906/94 em seus artigos 6º e 7º, as prerrogativas garantem ao profissional o direito de exercer a defesa plena de seus clientes, com independência e autonomia, sem temor do magistrado, representante do Ministério Público ou qualquer autoridade que possa tentar constrangê-lo ou diminuir o seu papel como defensor das liberdades.

Prerrogativas profissionais, claro, não devem ser confundidas com privilégios, pois tratam apenas de estabelecer garantias para o advogado e advogada enquanto representantes legítimos dos interesses de seus clientes.

E as prerrogativas que mais sofrem violações são aquelas mais imprescindíveis, tais como: ter acesso livre às salas de sessões dos tribunais, inclusive ao espaço reservado aos magistrados; ter acesso livre nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares; e ingressar livremente em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição pública ou outro serviço público em que o advogado deva praticar ato, obter prova ou informação de que necessite para o exercício de sua profissão.

Nos meus quase 30 anos de advocacia, vejo que este atual momento é o mais crítico em relação às prerrogativas. A advocacia sente que o seu caráter essencial ao Judiciário não vem sendo concretizado. Isso impacta diretamente a sociedade que vindica seus direitos por meios da advocacia.

É preciso haver mais diálogo mas, ao mesmo tempo, fecharmos questão, com firmeza, em defesa das nossas prerrogativas nesse particular. A democracia pela qual lutamos não se resume ao voto. Pelo contrário. Ela se realiza por meio do exercício independente e respeitoso das instituições. E nós, advogados e advogadas, temos assegurado, pela Constituição e pela lei, o livre trânsito perante todas essas instituições. Não é favor, é democracia.

*Evandro Pertence é advogado desde 1994, ex-conselheiro federal, é especialista em contencioso, tribunais superiores e sócio da Sociedade de Advogados Sepúlveda Pertence.

Ler Maquiavel: sobre fadas e saci-pererê

Nossa imprensa e nossos analistas políticos são tão primários que dói.

Espalharam que o comandante da aeronáutica Carlos Baptista Júnior garantiu ao ministro Gilmar Mendes que não haverá golpe.

Convenhamos: alguém que prepara um golpe sai anunciando?

Nem sob tortura o comandante,  bolsonarista de primeira linha, admitiria o que está sento tramado nos bastidores.

Depois ainda criticam as crianças que acreditam em fadas e saci-pererê.

Superstições e incertezas em agosto

*Ney Lopes – Diáriodo poder

Começou o mês de agosto, considerado fatídico na política brasileira.

É chamado na França, o “mês do cachorro louco”, quando as cadelas entram no cio e os cachorros perdem a cabeça.

Neste mês, os cães são atacados pela raiva, doença virótica, que passam para os humanos.

Também em agosto, dizem as crendices, os humanos acometidos de transtornos mentais, chamados de “loucos furiosos”, entrariam em surto.

Não é científico, mas coincidências ou não ocorreram tragédias no Brasil, durante o mês de agosto.

Vejam-se alguns exemplos.

Em 5 de agosto de 1954 foi planejado o atentado contra Carlos Lacerda, ferrenho opositor do então presidente Getúlio Vargas. Embora o tiro tenha saído pela culatra, a crise política aumentou, levando ao suicídio de Vargas, no dia 24 do mesmo mês.

Também em agosto, sete anos após a morte de Vargas, ocorreu a renúncia de Jânio Quadros (1961), que estarreceu a nação, ao anunciar a sua retirada do cargo de presidente do Brasil.

Afirmou ele, que deixava o governo por causa das “forças ocultas”.

Pouco antes de morrer, em fevereiro de 1992, Jânio admitiu que a sua renúncia era um blefe, pois achava que a sua saída do poder não seria aceita pela sociedade nem pelos militares.

Nada disso aconteceu.

Agosto se confirma, como o mês das tragédias nacionais, com a morte do candidato à presidência, Eduardo Campos, no mesmo dia do avô, Miguel Arraes, que faleceu em 2005.

O acidente fatal de Campos aconteceu faltando 11 dias para os 60 anos do suicídio de Getúlio Vargas.

O presidente Juscelino Kubitschek também morreu em agosto de 1976, no dia 22, em desastre automobilístico.

Em 31 de agosto de 2016, o Brasil sofreu mais um golpe político e a Presidenta Dilma Rousseff foi afastada do Poder, depois de um impeachment.

Definitivamente, agosto tornou-se referência fatídica no calendário político do nosso país.

Porém, no mundo também aconteceram fatos inusitados.

Em agosto foi preso e executado o líder dos jacobinos, Robespierre, encerrando o Período do Terror da revolução francesa (1794).

A Primeira Grande Guerra e a tomada do poder por Hitler na Alemanha, ocorreram em agosto

Por fim, os norte-americanos soltaram as duas bombas atônicas em Hiroshima e Nagasaki, neste mês.

O momento atual já é de tragédia, por força da pandemia, que atinge o planeta.

No Brasil, o cenário é instável, atingindo a economia, a política e acentuando as desigualdades sociais.

Um tema político preocupante e que poderá degringolar em choques entre os poderes e instituições é a proposta de adoção do voto impresso, em urnas eletrônicas.

A decisão final será do Congresso Nacional e terá de ser respeitada.

Em maio, audiência pública na Câmara reuniu especialistas idôneos, inclusive   o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais.

A conclusão dos técnicos foi não existir comprovação de nenhum tipo de fraude nas urnas eletrônicas.

De outro lado, opinaram que todo sistema computacional tem suas vulnerabilidades, sendo preciso melhorá-lo para que seja cada vez mais seguro.

O resumo da ópera é que o eleitor não pode provar a fraude e o TSE também não pode garantir que não há fraude.

O Brasil não poderá ir para uma eleição em 2022, com a espada de Dâmocles sob a cabeça, indicando suspeitas de fraudes.

Ainda há tempo de solução negociada, como por exemplo, a auditagem dos votos por amostragem, ou o voto auditado em certas localidades do país, como experiência.

A crença é que ultrapassemos os sinais de incertezas, com a exata noção de que somente o apelo à “união nacional” será possível de superar esses obstáculos.

Não se nega, que os fatos ligados a agosto são mera superstição.

Mas, como dizia o personagem do poeta argentino Jose Hernandes,

No creo en Brujas, pero que las hay las hay (Não creio em Bruxas, mas que existem, existem).

*Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino Americano (PARLATINO); e- Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara; procurador federal; professor de Direito Constitucional da UFRN – nl@neylopes.com.br – blogdoneylopes.com.br