Torquemada e o espírito de Martin Niemöller. No império da desinformação, brota a alienação

*Júlio César de Lima Prates

Faz um lindo dia chuvoso, romântico,

Graças a uma carga homérica de medicamentos, para pressão, circulação sanguínea e glicose, meu organismo tem reagido positivamente, embora minha visão continue embaralhada. Digito – ainda – em caixa 28.

Graças aos meus amigos e irmãos sinceros, tenho rompido um pouco o isolamento.

Durante muito tempo, nas reflexões passadas da pandemia, observei alguns fatos sociais bem visíveis. Como eu não assisto televisão há muitas décadas, agora, tentando ocupar meu tempo, detenho-me na análise dos noticiários e dos filmes.

Nunca é demais refletir nas célebres palavras de Martin Niemöller  :

Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram
meu outro vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia vieram
e levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram;
já não havia mais ninguém para reclamar…

Os princípios democráticos e a liberdade de expressão não podem ser expostos aos censores  de plantão.

Censurar pressupõe que quem censura tenha a certeza do domínio total e absoluto dos fatos. Jovem, quando fui processado pelos padres da Unisinos, lembro-me que saquei contra eles o aprendizado de Skinner: quem pune sempre acha que está do lado certo. Deve ser por isso que Camus não suportava e tinha aversão aos juízes.

Foi no curso de pós-graduação em Letras ( Leitura, Produção, Análise e Reescritura Textual ) que eu tive a oportunidade de ler, refletir a aprofundar no pensamento de Saussure e a reflexão necessária sobre os meios e sistemas de comunicações vigentes numa sociedade.

Aí reside o maior impasse. Justamente, estudar e entender os meios e sistemas de comunicações. Não vou entrar aqui no debate sobre silogismos, paralogismos e aporemas.

Este é um artigo breve, para meu blog, portanto não se trata de nenhum ensaio acadêmico, mas, sim, uma reflexão em cima dos fatos e como se dá a leitura desses.

Sempre escrevi que emprego o conceito de “ideologia” como visão de mundo, nas manifestações individuais ou coletivas, produzidas na arte, pintura, escultura, dança, música, literatura … Assim, tomo e emprego o conceito de ideologia como sinônimo de ideia, sendo muito mais gramsciano do que marxiano propriamente dito. Com o devido respeito às formulações hegelianas.

A interpretação de um fato social qualquer, comporta – sempre – mais de uma leitura. Depende do enfoque ideológico de quem interpreta esse fato.

Vou ser didático:

1 – A coalizão, liderada pelos EUA, que invadiu o Iraque, convenceu a opinião pública (tenho vários textos sobre opinião pública), que o regime sunita de Saddam Hussein detinha arsenais de armas biológicas e que o regime representava uma ameaça para a humanidade.

Invadido o Iraque, ultrajados os sunitas, banho de sangue, milhares de mortes inocentes, logo verificou-se que as tais armas biológicas de destruição em massa eram uma grande mentira. Ou seja, uma fake-news contada pelas grandes redes internacionais de televisões e toda a imprensa acrítica, que comprava a mentira como verdade. Até hoje não apresentaram uma prova das tais armas.

2 – Eu fui educado, desde criança, aprendendo que o Paraguai tinha um ditador terrível: Solano Lopes. E que os bonzinhos da tríplice aliança do Brasil, Argentina e Uruguai, se uniram para combater o tirano. Anos depois, já moço, estudando História Econômica Mundial, no curso de sociologia, ( fui aluno de Helga Picollo) descubro que o Paraguai era um país fortemente desenvolvido, tinha uma indústria pujante e que até grandes ferrovias nacionais confrontavam o poder inglês. Então, contrariados, os ingleses manipularam os idiotas do Brasil, do Uruguai e da Argentina, e fizeram nossos povos combater e destruir Solano Lopes, que, por ser um nacionalista, impedia o desenvolvimento do capitalismo inglês na região. Essa é a maior fake-news histórica de nossas vidas.

3 – Diariamente, quando assistimos pastores anunciando o final do mundo, intimidando as pessoas, manipulando as cabeças, acaso isso não é fake-news?  

4 – A rigor, todo o discurso religioso, que é apenas uma questão de fé, é – sim – fake-news, afinal ninguém tem como comprovar a veracidade que existe por trás das construções discursivas do cristianismo, do judaísmo, do islamismo e até o sono perpétuo do corpo com a alma, esperando a volta de Cristo, dos Testemunhas de Jeovás e Adventistas. Quem pode garantir o que é falso e o que é verdadeiro nesse imbróglio? A rigor, é tudo fake-news. Inclusive o taoismo, o confucionismo, o budismo …

O pensamento de direita, por exemplo, colide sempre com o pensamento de esquerda no tocante aos costumes. O nu de um homem pode ser visto como “artístico” ou “falta de pudor”, isso depende dos valores, ritos, costumes …de quem está fazendo a leitura daquele nu.

A leitura de Maquiavel, por exemplo, condensa mais de uma interpretação ou leitura. Para uns, “O Príncipe” pode ser um instrumento de dominação. Para outros, pode ser uma arma útil aos dominados, pois desnuda a dominação em si.

Hoje, existe no Brasil um claro e visível confronto entre duas ideias fundamentais, desde como o cidadão vê as instituições, até como as aceita,  criticamente ou acriticamente.

A crítica associa-se à liberdade de expressão, por mais dura e áspera que possa ser, senão não é crítica. O próprio presidencialismo não é um dogma em si mesmo, afinal aí existe o parlamentarismo, ou, se quiserem, a própria monarquia. Uma crítica ao TJRS, por exemplo, comporta mais de uma leitura e não se associa – necessariamente – com uma tentativa de anular o poder judiciário. A crítica pode ser aos ocupantes dos cargos e não a instituição. Agora, eu já li vários ensaios sobre inteligência artificial, que incidem na superação humana no ato de julgar. O mesmo, com o avanço da telemática e da Inteligência Artificial, falar em substituir o parlamento pela auscultação direta do povo (friso que emprego a expresso povo no sentido político e população no sentido demográfico).

O exercício do poder se relaciona com sua legitimidade e manutenção; e as formas de legitimação vão desde as ditaduras armadas até a criação de um consenso hegemônico de um povo – o que não quer dizer: absoluto.

O Brasil, hodiernamente, vive um choque de ideias e visões de mundo antagônicas entre si. Direita e esquerda pensam de forma diferente as relações sociais encetadas pelos poderes e as formas de comunicações expressas nas manifestações e narrativas.

Um fato expresso na rede globo é considerado falsa notícia por quem não pensa como os ideólogos da emissora. As mídias alternativas, especialmente as redes sociais, lançaram, no debate, uma narrativa que se choca com os atuais padrões de dominação, logo são consideradas falsas notícias. O genocídio em Gaza, promovido por Israel contra os Palestinos é um das maiores distorções midiáticas, pois apresentam o Estado de Israel em guerra contra o Hamas, como se o Hamas fosse outro Estado e não um diminuto grupo de jovens sem futuro em Gaza. 

O que é falsa notícia para um receptor de direita, pode não ser falsa para um receptor de esquerda, e vice versa,  seja na interpretação das leis, da Constituição, dos costumes, do modo de vida, etc …

Acaso os marxistas, todas as correntes que defendem a ditadura do proletariado, a abolição de classes sociais e a posse e socialização dos meios de produção, são menos autoritários que a direita que pede o fechamento do congresso e do STF?

Grasso erro mesmo é tentar criminalizar quem pensa diferente, julgando apenas com os instrumentais teóricos de apenas um campo de pensamento, ignorando a pluralidade de ideias e as narrativas divergentes entre si.

Esta encruzilhada em que se encontra o Brasil, seria desnecessária se tivéssemos este entendimento, que é básico para a harmonia numa sociedade onde os campos ideológicos, visões de mundo e costumes, são diferentes. Porém, professados por integrantes de uma mesma sociedade em suas diferentes estratificações e níveis, das classes dominantes às dominadas.

Pensar diferente, seria endossar o monopólio totalitário do pensamento único, a seguir o embate fratricida detonado a partir do entendimento de cada um sobre o que é falsa notícia.

Agir ao contrário, é agir como os acendedores de lampiões, revoltados com o advento da luz elétrica.

Tudo é algo a ser superado, inclusive o fundamentalismo e os dogmas. De ambos os lados. Do contrário, a intolerância e a ditadura do pensamento único estará semeada, pois floresce, sim, ameaças aos direitos e garantias fundamentais.

De todos os absurdos legislativos que eu conheço e conheci, essa lei das fake-news é a maior mediocridade de todos os tempos. Não partisse do congresso nacional do meu país, certamente sentir-me-ía no mais obscuro medievalesco, com cheiro de carne humana nas fogueiras, das mulheres que eram queimadas porque despertavam desejos ardentes nos inquisitores. Esses, sem saberem lidar com o desejo, preferiam dizer que elas eram a encarnação do demônio.

Queimar mulheres  nas fogueiras inquisitoriais era a verdade de uma época. Torar judeus nas câmeras de gás, era a eliminação de uma raça que pensava e era diferente. Mas era a verdade de uma época, especialmente na Alemanha.

Escravizar negros e chibatá-los, estuprar negras e arrancar seus seios, era o normal e a verdade de uma época.

Os sábios, no Brasil, não se tocaram que tudo é relativo, que tudo tem duas versões, pelo mínimo, e que uma verdade hoje, pode não ser mais uma verdade amanhã. Eterno mesmo, só a burrice e olha que isso também pode ser relativo tooooiiiinnnngggg.

Eu sei que existem grupos organizados no Brasil, agrupados em torno da Editora Revisão, os revisionistas do holocausto, a turma do S. Gastan, que são mil vezes mais perigosos que qualquer grupelho de direita.

Quando presidente estadual da comissão de ética do Partido Socialista, ainda em Porto Alegre, coube a mim a decisão de presidir um pedido de expulsão dos separatistas socialistas …. esses – sim – com grandes teorias, com farta literatura revisionista, defensores da supremacia branca, e esses continuam organizados, são os assim chamados Unterseeboot, ora andam na água como navios, ora são submarinos. Eu aposto que o Ministro mais bem intencionado do STF, Dr.Alexandre de Moraes, desconhece o submundo das organizações secretas que existem no Brasil, especialmente os Unterseeboots.

Quem desconhece a extensão da articulação maoísta no Brasil? Ou nunca ouviram falar em Mao Tse Tung?

Defender Enver Halil Hoxha pode? Imagino que sim e certamente ninguém sabe que ele foi mais radical na Albânia, na defesa dos crimes de Stálin, que qualquer outro político no mundo. Entretanto, os jovens albanistas ou hoxhistas estão em todos os DCEs, UEEs, UNE, editam jornais, tem sites, defendem a revolução socialista armada, são remanescentes do Araguaia e são orgulhosos disso (não estou entrando no mérito, só estou afirmando que movimentos totalitários e contra o Estado democrático de direito, no Brasil, existem aos montes).

Seria estéril eu falar que nossas fronteiras estão cheias de células do Hizbollah e da al-Qaeda, e são organizações paramilitares e que – pelos princípios do Islã, onde estiverem precisam, necessariamente, incitar a queda dos governos locais.

O PT é cheio de partidos clandestinos, trotskistas e leninistas, isso até a pedras sabem. O problema é que os teóricos do STF sequer sabem juntar as pontas do movimento trotskista e a IV Internacional de 1938; não sabem o que é a ORMDS, QUORQUI, SU … Talvez saibam que o MR8 se metamorfozeou e aparece num tal PPL, mas não sabem os desdobramentos factuais do antigo PCB, o racha do PC do B, … talvez, talvez …

Alguém acha que os Black blocs estão diluídos no Brasil?

EU acho que não, é só olhar as manifestações recentes no Rio e São Paulo. Eles têm símbolos próprios, identidades próprias … códigos próprios.

No Brasil, se nem a ABIN sabe o básico do básico.

Eu até acho que o Moraes não é má pessoa. Ele se meteu numa área em que não tem o menor domínio.

A polícia federal no Brasil nunca entendeu de organizações clandestinas de esquerda e nem de direita. A orientação sempre foi outra, estão ligados no combate ao tráfico (drogas e armas) e à corrupção e nunca foram na verdadeira fonte, isso implica em domínio teórico. Por trás de um político, na maior parte das vezes, existe uma organização clandestina.

Os extremistas são outros. Pelo amor de Deus, quanta burrice asnal institucional.

Nossas instituições são capengas; vivemos sob o domínio de corporações onde as superestruturas jurídicas controlam tudo … e essas não têm staffs. Dominam e tentam resolver tudo à luz do positivismo jurídicos e (um que outro) fala em jusnaturalismo, mas raros dominam as vertentes epistemológicas do Direito e mesmo os que aplicam a Teoria Dialética do Direito não sabem o que estão fazendo. SOS Japiassú.

Já ouviram falar em Kidon?

Nem isso?


*Jornalista nacional registro nº 11.175, Registro Internacional nº 908225, Sociólogo e Advogado inscrito na Sociedade de Advogados nº 9980 OAB-RS

 

O aborto legalizado na Argentina, a teoria dialética do Direito e suas principais vertentes epistemológicas jurídicas. A questão dos direitos fáticos e dos direitos positivados

*Júlio César de Lima Prates

A legalização do aborto na Argentina, detonou uma discussão nos meios políticos, jurídicos e teológicos em nosso país, assim como em diversos outros; o assunto é explosivo.

Escrevo sobre o Tema há alguns anos.

Seguidamente tenho me defrontado com advogados colegas que, imperceptivelmente reduzem o Direito a codificações positivadas, como se não existissem Direitos fora das positivações. Existem direitos que não são reconhecidos pelo Estado, mas nem por isso deixam de ser direitos. Até onde as limitações jurígenas permitem navegações, vislumbra-se duas grandes vertentes epistemológicas no campo da ciência jurídica: o jusnaturalismo e o positivismo.

Com clareza, identifica-se, ainda, a teoria dialética do direito, também uma vertente epistemológica, embora nem sempre clara, nem sempre visualizável, nem sempre assumida, porém, extremamente complexa.

As duas principais vertentes ideológicas no campo da ciência política – jusnaturalismo e positivismo – continuam sem conseguir dar conta de seus pressupostos epistemológicos ao nível do desenvolvimento das modernas teorias do conhecimento; seja o positivismo que reduz o direito à lei, não conseguindo resolver através de seu instrumental teórico problemas como o da legitimidade, o da pluralidade de ordenamentos e outros, acabando assim por reconhecer, implicitamente, como em Kelsen, por exemplo, o seu fundamento na dominação pura e crua do Estado.

Por outro lado, o jusnaturalismo eleva a padrões metafísicos e abstratos o problema da “justiça”, como se pudesse existir um padrão fixo e imutável dessa categoria, separando-a da realidade histórica e concreta, acaba assim referindo-se a fundamentos de ordem teológica, como se pudesse existir uma categoria de justiça divina e como se essa pudesse ser universal.

Em outras palavras, tanto o jusnaturalismo quanto o positivismo acabam por se referir, reciprocamente, em seus fundamentos últimos, a pressupostos metodológicos idênticos.

Assim o é na teoria pura de direito de Kelsen, que acaba se reduzindo a um fundamento de cunho jusnaturalista – que é a própria norma fundamental – vide pirâmide kelseniana. Por outro lado, o jusnaturalismo (que em tese é o contraponto ao positivismo) em última hipótese, para poder ter sentido prático, acaba por ser teoria que dá sustentação ou justifica esta ou aquela ordem jurídica dominante.

No conflito dessas duas grandes vertentes epistêmicas, foi que teóricos brasileiros, dentre eles, o saudoso Roberto Lyra Filho, Agostinho Ramalho Marques Neto, Marilena Chauí …  vislumbraram a grande brecha de construção de uma nova teoria jurídica, principalmente que rompesse com o maniqueísmo entre o jusnaturalismo e o positivismo.

Claro estava que era necessário romper com a idéia de que Direito só seria Direito se fosse legal, instado o raciocínio: acaso o processo de gênese (jurisginação) não é anterior à sua positivação e esta (a positivação) significando apenas o reconhecimento de direitos cuja gestação já ocorreu no processo histórico?

A vertente complexa a que me referi anteriormente é a dialética. Tanto Roberto Lyra Filho quanto Marilena Chauí, usaram a conceptualização marxista da expressão. Isso fica claro na leitura da obra de Lyra Filho: Karl meu amigo, diálogo com Marx sobre Direito e também no livro O QUE É IDEOLOGIA, de Marilena Chauí.

Marx, ao construir os pressupostos de sua teoria política e, sobretudo econômica, foi buscar o conceito de Dialética em Hegel, eis que desprezando o idealismo que via nessa, apropriou-se somente daquela. Aí, acresceu o materialismo de Feuerbach, gestando, a partir de então, o materialismo dialético.

É claro que não vou fazer, nesse breve texto, uma divagação mais profunda acerca das bases dos pressupostos teóricos de Marx que, a rigor, incluem os filósofos iluministas franceses, Ricardo, e a economia clássica inglesa, além, é claro, de Hegel e Feuerbach, … conquanto a intenção é apenas demonstrar que um instrumental essencialmente marxista – a dialética – foi pinçado das teorias clássicas e jogado no nosso mundo jurídico, fato nem sempre percebido e quase nunca visualizado nem mesmo por muitos que falam em direito alternativo ou uso alternativo do direito.

O escopo, a rigor, também é nem entrar nessa seara, conquanto pactuo da idéia de que o uso de um instrumental teórico como a dialética, aplicado a situações complexas entre o justo e o legal, pode florescer alternativas.

A tradição aristotélica ocidental forjou um pensamento essencialmente mecânico, dentro de uma esquematização em que tudo precisa ter um enquadramento lógico formal. Lógica dialética é um bicho de sete cabeças.

É claro, não existe preparo para entender o pensamento dialético, com suas contradições, teses, sínteses e antíteses.

Ademais, esse pensamento é avesso a qualquer crítica, a concordância acrítica é questão essencial para o entendimento do juízo formulatório do raciocínio. Só a partir daí entenderemos os sofismas, os paralogismos e os aporemas.

Tempos atrás, participei com um debate com o pessoal da fundação Ulysses Guimarães, que, erroneamente, apresentavam o marxismo como método.

Disse então ao Professor Márcio (que esteve aqui em Santiago ministrando cursos) que o marxismo não era método e que Marx criou seu próprio método, o materialismo dialético. Karl Marx pegou de Hegel a dialética, e desprezou o idealismo, e, de Feuerbach, o materialismo, criando assim o Método denominado Materialismo Dialético, que alguns também chamam de materialismo histórico.

O pessoal da Fundação me perguntou então como seria aplicado o Método. É simples. Em tudo, tudo que envolve as leis da constante mudança, tudo muda e nada fica como está. O próprio Leandro Konder sustentou que um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio, porque na segunda vez, nem ele e nem o rio seriam o mesmo. Da mesma forma, a dialética não opera com fragmentos (como fazem os juízes e promotores), a dialética opera com o todo e decorre daí que nada é fechado, definitivo, acabado e absoluto. Tudo é suscetível de mudança.

Pessoalmente, dou pouca importância ao estruturalismo ou ao funcionalismo. Embora, o exemplo de Florestan Fernandes, ao propor um método para estudar uma tribo indígena, isolada na floresta, deveria ser uma fusão da dialética (com suas leis próprias e totalizantes, dentro do enfoque hegeliano) pari passu com o estruturalismo. Pois algo esta dentro, fechado em si mesmo (a tribo), derivando-se daí a fusão desses dois métodos. Aceitável.

A importância de um método, como a dialética, na desconstrução de linhas discursivas é essencial. Por isso, a dialética é profundamente irritante, os mecanicistas do Direito, por exemplo, não suportam o raciocínio dialético. Não sem razão, Carlos Astradas definiu a dialética como “sementes de dragão”. A dialética inquieta os conservadores de direita e de esquerda.

Da dialética:

Engels, o parceiro predileto de Marx, no Anti-Durhing já afirmava que “a dialética é ciência das leis gerais do movimento e do desenvolvimento da sociedade humana e do pensamento”.

O filósofo existencialista francês Jean Paul Sarte, comentando sobre a dialética afirmava: “é a atividade totalizadora, ela não tem outras leis que não as regras reproduzidas pela totalização em curso e estas se referem, evidentemente, às relações da unificação pelo unificado, ou seja, aos modos e presença eficaz do devir totalizante, nas partes totalizadas”.

Oportuno e curioso é refletirmos sobre as considerações de Pedro Hispano, no século XIII, sobre a Dialética: “é a arte das artes, as ciências das ciências porque detêm o caminho para o caminho para chegar ao princípio de todos os métodos. Só a dialética pode discutir com probabilidade os princípios de todas as outras artes, por isso, no aprendizado das ciências, a Dialética deve vir antes”.

Gerd Bornhein, nosso grande e saudoso filósofo gaúcho, comentando sobre a Dialética assim asseverou: “ela existe para fustigar o conservadorismo dos conservadores como sacudir o conservadorismo dos revolucionários. A dialética não se presta para criar cachorrinhos adestrados”.

O argentino Carlos Astrada, vou repetir, foi mais longe: “a dialética é semente de dragões”.

Pois este precioso instrumental de análise, pinçado para o nosso mundo jurídico por Roberto Lyra Filho, um instrumental marxista, tem embasado os pressupostos da assim chamada Teoria Dialética do Direito.

Ela tem se prestado para questionar a legalidade de certos direitos positivados, para questionar a legitimidade dos poderes e também para encetar uma profunda reflexão sobre certos direitos que não são positivados, mas que são legitimados pelo povo. Aponta luzes entre a legitimação e não positivação.

Existem direitos outros não legitimados, o direito a violência reativa é um deles. Ademais, a roubalheira dos políticos, de esquerda e de direita, apenas corrobora a tese do direito à reação. Por que passar fome, viver na inanição, quando os mercados estão aí abarrotados de comida? E próprio direito ao furto se tornaria um direito, embora não reconhecido pelo Estado.

Existem outras certezas e outras justiças. É claro, da justiça divina ao justicialismo fático dos morros ou dos grupos paramilitares. E também Direitos, mesmo que não positivados. O jogo do bicho é a realidade mais explícita, as bocas de fumo, as clínicas clandestinas de aborto, que todos sabem onde fica e quanto custa um aborto, são direitos exercidos pelo povo, reconhecidos pela sociedade, porém, não positivados, apenas isso.

É difícil compreender isso?

A questão mais prática que envolve o aborto, fora do debate sobre legalização ou não, seria solver o quadro pelo enfoque da descriminalização, retirando do Código Penal os artigos que o fazem crime, deixa de existir o crime e o resto passa a ser um problema da sociedade e de cada um, no plano individual, com os níveis de consciência objetiva e subjetiva.

Ao abordar a questão do aborto, emitindo um juízo social, não estou emitindo uma opinião própria, estou fazendo um juízo da realidade social e política, posto que este artigo já é reescrito e minha posição pessoal é contrária ao aborto. Contudo, a leitura da realidade social, como sociólogo e advogado, é em cima da interpretação dos fatos sociais colocados.

O aborto é um direito que existe, é reconhecido pela sociedade, porém, não é positivado pelo Estado.

Caso idêntico, por exemplo, é o jogo do bicho. Existe, é reconhecido pela sociedade, mas não é positivado pelo Estado.

Quanto ao aborto, pela não positivação, o ideal seria simplesmente a descriminalização, que nada mais é que a retirada do Código Penal dos artigos 124 ao 128 e o assunto passaria a ser de ordem médica-profilática e sanitária.

O que os positivistas querem fazer é o caminho mais dificultoso. Querem subtrair a ilegalidade da prática, torna-la legal dentro de um jogo de forças totalmente adverso. É só olhar o peso das bancadas evangélicas e católicas que não precisa maiores digressões.

A teoria dialética do direito, aplicada a questão do aborto, certamente pela deslegalização ou descriminalização, sem aportar no arcabouço jurídico um dispositivo legal de positivação, seria a maneira mais factível de enfrentar a questão, na crueldade do dia-a-dia, onde milhares de mulheres são submetidas a violência de clínicas clandestinas, a medicamentos incertos e a factibilidade de contraírem doenças outras físicas e psicológicas.

Por fim, meu lamento triste, pois falar em vertentes epistemológicas do Direito, hoje, soa algo tão estranho como a abordagem de uma solução da Dialética, como Método, pois quase ninguém mais sabe usar Método e – via de regra – confundem-no com metodologia.

Confesso que até hoje tenho dúvidas em tratar o Direito como Ciência, conquanto cada vez mais me parece com ideologia (na acepção gramsciana da expressão). Já escrevi artigo próprio sobre o Direito enquanto ciência ou ideologia.


*Jornalista nacional registro nº 11.175, Registro Internacional nº 908225, Sociólogo e Advogado inscrito na Sociedade de Advogados nº 9980 OAB-RS

Quem terá peso decisivo na formação, criação, execução, controle e crítica das idéias políticas no pleito sucessório?

* Júlio César de Lima Prates

Um debate que nunca se exaure, seja em Santiago, na China ou na Rússia, é a existência da assim chamada opinião, afinal: existe opinião pública, quem forma a opinião pública e como se forma a opinião pública num processo eleitoral?

Em caso de existência ou não da assim chamada opinião pública, supletivamente, cabe refletir – admitindo a hipótese dela existir – como então essa se corporifica?

Sabemos que política é arte de mentir, de pensar uma coisa e de dizer outra. Ademais, os políticos falam várias linguagens embutidas numa só.

Por outro lado, o que mesmo vem a ser opinião pública? Longe de teorizações, de complicadas racionalizações, trata-se de um conceito polêmico. Isso quem diz é Paul A. Palmer, autor do clássico Public Opinion in Political Theory, editado pela Universidade de Harvard. Essa obra de Palmer é uma espécie de clássico na literatura inglesa, francesa e alemã acerca dos estudos de opinião pública.

Historicamente, os gregos e, mais tarde, os romanos, já se debatiam sobre o assunto e empregavam locuções semelhantes, falando em consenso populi. Na idade média, cunhou-se a máxima vox populi vox dei e Maquiavel, na obra DISCURSOS, comparou a voz do povo a voz de Deus.

O conceito de opinião pública como participação popular se liga a revolução francesa de 1789 e foi empregado, pela primeira vez, por Jean Jacques Rosseau.

Alessandre Pope, na Inglaterra, escreveu, ironizando: estranha a voz do povo e não é a voz de Deus.

Pierre Bordieu, na França, ampliou o debate e revelou que ele não é mesmo dócil. Disse e desdisse que opinião pública não existe. Complicado.

Fiz essa pequena introdução para mostrar aos leitores do blog e amigos que o debate sobre opinião pública não é recente e nem consensual.

Quem é a opinião pública de Santiago e como se forma a opinião pública em Santiago?

Eu diria que são vários os agentes e muitos os elementos que incidem na tal formação. Porém, tudo varia de acordo com as informações que as pessoas recebem, suas fontes de leituras, seus círculos sociais, suas condições econômicas e assim por diante.

É claro que um assunto de repercussão nacional e/ou estadual depende das fontes macro que abastecem nossas redes de informações. Aí entram os grandes jornais, rádios, canais de televisão e – mais recentemente – os blogs estaduais.

Tudo depende de enfoque, de um conjunto de simpatias e/ou antipatias, a forma como é transmitida a notícia, a eventual manipulação ou não informação, entre outros expedientes.

Eu diria que existem vários níveis de formação de opiniões. O público evangélico, em Santiago em torno de 30% da população, recebe um tipo de influência, é educado a ver os fatos políticos de uma determinada forma. Usei o exemplo evangélico apenas a título ilustrativo, posto que o mesmo raciocínio vale para o comportamento das classes sociais, afinal o volume de informações se relaciona com as condições de acesso dessa mesma informação. Os segmentos D e E têm pouco a internet banda larga, poucos lêem blogs, não lêem Veja, Isto É, Folha de São Paulo e raramente lêem a ZH digital. Portanto, seus limites de informações são parcos. E mesmo entre o público de maior acesso a informação, nossos segmentos A e B, existe uma pulverização na recepção da informação.

Aqui em nossa cidade é quase certo que a opinião das pessoas é formada de forma fragmentada. Nossas rádios locais, são pouco opinativas e pouco formadoras de opinião enquanto participação popular na criação, execução, controle e crítica das idéias políticas. Já nossos jornais, foram mais agressivos na formação da opinião pública local. E os blogs, então, esses – sim – são vivamente opinativos e realmente influem, para pior ou para melhor, mas influem. Ao lado dos blogs, instagram e facebook são redes sociais onde também as opiniões são externalizadas com veemência.

Contudo, ouso acreditar que não existe uma opinião pública santiaguense formada, pronta e acabada. Existem segmentos de opinião pública em Santiago e esses são produtos das influências que recebem, leia-se: dos órgãos de imprensa escritos.Rádio, em sua totalidade, é baboseira enquanto expressão de uma formação, criação, execução, controle e crítica das ideias políticas. Pessoalmente, não acredito na forma das emissoras enquanto tal finalidade.

Por fim, outros elementos precisam ser jogados no debate. Desde a sintonia de uma rádio até a tiragem de um jornal, pois isso reflete na maior fatia de público atingida pela ideologia que esse veículo reproduz. Pesa também, a credibilidade e a idoneidade do jornalista ou do radialista. É fácil inferir, que um jornal de grande penetração popular, com jornalistas bem formados, realmente forjam algum tipo de opinião.

O fenômeno mais recente da imprensa santiaguense e regional são os blogs e sites. E o sucesso deles, gostem ou não, está associado a emissão de opinião. Os fortementes opinativos, são os mais acessados. Ninguém gosta da abrir blogs para ler notícias coladas ou releases prontos.

Concluindo, vamos admitir que existe – sim – opinião pública, mas essa se expressa em vários níveis, não é uníssona, nem é a voz do povo e nem é a voz de Deus.

Ela é formada segmentada, recebe influências distintas e expressa-se por áreas de influências, com suas particularidades. Por fim: tudo depende do poder de fogo dos órgãos de imprensa, sua extensão, sua penetração e sua capacidade de “diálogo” com as massas.

Afinal: opinião pública existe ou não existe?

No próximo pleito que se avizinha, OUTUBRO DE 2024, será decisivo o poder de comunicação de massas e aí entrará em pauta as redes sociais. Dados da Fundação Ulysses Guimarães, apresentados em painel local, revelam que 88% do internautas acessam blogs e isso aponta para a importância que os blogs terão no processo eleitoral. Ademais, um novo elemento pesará no próximo pleito, que é a Inteligência Artificial.

O PP, embora invista em redes sociais, o facebook, por exemplo, acabou desprezando a blogosfera, o que, ao meu ver, constituiu-se num grave erro de avaliação. O facebook, embora comprove a tese de Castells e a sociedade em rede, não forma necessariamente um contigente crítico capaz de gerar um elemento formativo da opinião pública dado a babel que virou.

Um blog, embora com matéria mais longa, mais reflexiva, tende a formar mais opiniões.

As emissoras de rádios, concessões públicas, vão viver uma contradição, pois o direito opinativo dos seus radialistas agora assegurado, trará também – em seu bojo – uma explosão de ação de Pedido de Direito de Respostas, sem dúvidas, e isso confundirá a opinião pública local, somando a sua já duvidosa capacidade de formação de tal.

Os jornais, tendem a cristalizar mais suas opiniões, mas também pecam pela brevidade, pela expressão sintética, embora o Jornal Expresso Ilustrado siga fortemente fazendo escola com seu jornalismo dinâmico e interativo.

Redes sociais atuam em cima do fato, são blogs opinativos e pessoais, não se sujeitam as regras de concessões públicas e na medida em que não são veículos de imprensa propriamente dito terão relativa autonomia (poderão discutir) quanto ao direito de resposta.

Esse processo eleitoral colocará à prova – embora num contexto microcósmico – o tira-teima acerca do poder de fogo de cada segmento formador da opinião pública local.

É claro que as instâncias formadoras não se restrigem, nem de longe, ao monopólio da imprensa, posto que existem as instâncias morais invisíveis que tentarão influir no resultado. No campo religioso, os espíritas, católicos, evangélicos e umbandistas tendem a cristalizar suas opiniões junto ao seu público fiel. Não será diferente, com os CTGs, Escolas, Associações de Moradores, Sindicatos, Entidades empresariais, clubes recreativos, posições sindicais organizadas do funcionalismo, militares, civis, comerciantes, pecuaristas e plantadores.

Embora a força interna dessas corporações ou espírito classista de cada um desses segmentos sociais, até no âmbito da família, o certo é que a força da imprensa e o jogo de argumentos aqui colocados, poderão ser decisivos. E quem tiver melhor capacidade de produção textual, linha argumentativa, capacidade de convencimento e maturidade intelectual, aliado a capacidade de provar o que se afirma, tende a atuar de forma mais cristalizada, não pasteurizando a informação, mas cristalizando uma tendência.

É o que veremos. E, finalmente, saberemos se a opinião pública de Santiago existe, se ela é fragmentada, se ela tem uma força majoritária ou até poderemos concluir que ela sequer existe, dado a força da fragmentação e incapacidade de formar hegemonia a ponto de virar e decidir o resultado de um pleito eleitoral.

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*Jornalista nacional registro nº 11.175, Registro Internacional nº 908225, Sociólogo e Advogado inscrito na Sociedade de Advogados nº 9980 OAB-RS.

O aniversariante do dia

Hoje, está comemorando mais um ano de vida meu sobrinho RODOLFO DAMIAN. É filho de minha irmã, Alzira, e seu esposo Vagner Damian.

Rodolfo é dentista, formado pela UFSM.  Tem um filho, que já é advogado Felipe Damian e também a Marianinha, que tem apenas 11 anos.

Felicidades ao Rodolfo.