Por que vivo, por que sofro e por que escrevo?

O que dizer e o que pensar de uma quarta-feira? Quarta-feira todos se recolhem cedo, o movimento logo acaba e parece um ritual coletivo comunitário de todos dormirem juntos.

A cidade fica estranha, às ruas vazias e a única sentença é a certeza do silêncio e que logo mais, ao clarear do dia, tudo recomeça nessa rotina amorfa. Mas todos guardam doses de esperanças e ilusões, cultuam sonhos e correm atrás deles. Outras pessoas nem tanto. Vão em busca de um destino incerto e de um calendário patético que registra os traços de uma vida já sem sentido.

Pelas filas médicas e postos ambulatoriais crassa a dor e a melhor busca de esperança reside na magia de alguma religião. Na fila do desemprego, onde arde a catinga nauseante do desespero, um novo dia é sempre um sinônimo de recomeço, visto como uma pontinha de luz numa promessa de fé.

Hoje preferi curtir a madrugada ao longo e penetrar nela sem medo das malidecências de um passado em que vivia intensamente o pavor do pânico noturno. Caminhei pelas ruas, olhei cada detalhe da arquitetura das casas, curti o vôo rasante dos morcegos e decifrei o enigma morto no horizonte pálido que não fala, mas que emite uma sentença fatal.

A praça onde sentei-me décadas a fio observando céus, nuvens e prelúdios de tempestades está deformada pela engenharia necessária de pistas de skates. Emerge uma nova paisagem urbana, um redesenho na acomodação comercial, na semeadura dos sonhos da igreja universal e na desfiguração de uma arquitetura que teve arte, traços leves e graça. Agora, é só compacto bruto de um processo embrutecedor.

O núcleo de Santiago onde impera a náusea, a semeadura da insensatez, está inerte, resistindo ao tempo e dando assas a boçalidades e complôs. Lá está o sindicato do atraso, “reconstruído” sobre heranças de um processo decadente, mas, mesmo assim, resistente, colossal e redefinido, reestilizado, reinventado. Patética heresia.

Gosto, depois de deixar o centro, estacionar o carro ao longo da rodovia que corta nossa cidade, margeando o fundo da artilharia. Afora pensar no cemitério de cavalos e na linha de tiros voltada para dentro da cidade, artes que povoaram minha imaginação inventiva de criança, tenho uma vista contemplativa do núcleo pobre, carente e indigno da cidade. A paisagem não é a mesma. A simplicidade dos traços e da lâmpada posta em frente às casas, os gritos histéricos dos cães, a poeira e o sereno que cai parece mais penetrar no abismo das almas que propriamente dito na telha das casas. Tudo é um cenário de dois mundos, duas realidades e duas construções de sonhos.

Adentro vila Jardim dos Eucaliptos em direção a vila Daer. Um povoado habitacional de expressão que cresceu e tomou um vulto avolumado. As águas sujas de esgotos correm e ouço seu ruído ante o silêncio que reina, cortado apenas por latidos e pelo rangido -ao longo- de uma bicicleta. Olho e vejo um senhor magro, pedalando ofegante. Parece carregar ferramentas, numa caixinha, na garupa. Ele passa e eu fico pensando nele. Para onde estará indo. Ainda não são 5 horas. Deve ter levantado por volta das 4 e pouco. Penso que talvez ele seja feliz. Talvez não tenha consciência da indignidade de sua vida, talvez apenas marche em busca de uma rotina que não lhe afeta sonhos e nem perturba sua existência.

Penso como teria sido diferente minha vida se não tivesse escolhido esse caminho de tentar entender as coisas e decifrar os pactos sociais. Quão bom seria ter sido eu um operário da construção civil? Não sei, nunca saberei. A única coisa que sei com grau relativo de certeza é que sou um grande curioso, gosto de ver as coisas e depois escrever, escrever e escrever.

Escrevendo tento me decifrar, mas não consigo. Sinto-me complexo, lúcido e confuso. Vale a pena perder tanto tempo com tantas ingratidões? Vale a pena ser bom ou ser mal ou ser ambos numa mesma dimensão?

E sigo buscando um sentido, uma lógica, uma escolha e uma convicção. E vou-me… madrugada adentro. Olhando e sofrendo com tudo o que vejo.

Sei que se ligar a TV, adormeço. Nem que seja por horas, de algum sono, que repare, sei lá, que apague comigo mesmo, por um tempo ou por todo o tempo e que apague, finalmente, de minha mente esse mergulho perverso de busca de dor, estranha dor, que me corrói, me alimenta e que penetra em todo o meu ser.

Depois que tudo passar, vou fingir que sou um ser normal, vou tomar uma ducha, vou vestir minhas roupas, pegar minha bolsa, assumir a identidade competitiva e mostrar o quanto estou interessado no progresso, na construção social e na política cínica dos homens que só querem tirar proveito em tudo. Vou negar que busco outro caminho e que o melhor sono seria numa sepultura, de onde não pudesse externar angústias e nem conviver com essa amarga complexidade que envolve o gênero humano. Mas enquanto faço-me aqui um projeto de missão sem ser messiânico, faço o que creio, mostro o que posso para que possamos criar as redefinições pela construção de uma vida que se mostre um pouquinho melhor. Por isso, escrevo. Por isso, vivo.

Da violência sexual e a moral social como castração dos instintos

Certa vez, conversando com uma ex-amiga,  puxou um longo assunto comigo antes de escrever o artigo; horrorizada com a banalidade da violência sexual, ela divide-se entre a vida e propostas de direita, as quais nunca abandonou totalmente. Ela defende a castração química e outras práticas afins. Ouvindo-a, noto que ela é centrada, tem um pé na biologia e outro na ciência política, sempre.

Ela  me faz pensar longamente. Temos visões diferentes para problemas iguais. Ela acusa-me de determinismo genético, alusão a visão que tenho de que o ser humano é produto cromossômico e ponto final. O meio? Quem meio, o meio apenas é a maquilagem. O ser humano vem pronto.

Hã, se vai desenvolver suas potencialidades – ou não – é outro debate. Agora, tenho uma opinião muito forte sobre os gens da violência em nossa carga genética e isso é uma guerra que cada um de nós trava internamente. Como controlar nossos impulsos, nossos ódios, nossas violências? Esse é um bom debate.

A violência sexual é apenas um capítulo encadernado em nossas vidas. Podemos até domesticá-la a ponto de reprimi-la, mas nunca extirpa-la de nossos corações e mentes. Noto a relação absurda de nossa sociedade pós-moderna com os impulsos e desejos. De um lado, existe um apelo sexual e erotizado em tudo; nas propagandas de bebidas, de roupas, de calçados, de automóveis e até de medicamentos. Já contei essa história várias vezes. Certo dia, observava uma publicidade de sapato, onde o foco era a ingenuidade de uma menina-moça, de pernas abertas, calçinhas à vista, e – secundariamente – apresentava o sapato, embora o alvo fosse o calçado. Ademais, a foto num tom ingênuo, em cores leves, insinuando pureza, induzia todos a pensarem que se tratava de uma virgem descobrindo o mundo num par de sapatos.

O sexo violento está em todos os lugares, nos filmes, na TV, nos apelos fáceis e na comercialização, aliás, banalizado. O desejo de estupro faz parte do inconsciente coletivo coletivo da sociedade pós-moderna, embora nossos pudores de um moralismo judaico-cristão não os admitam. Eles estão a flor da pele e basta uma vertente institucional e ele toma forma. Assim o foram com os alemães, com os russos invasores da Alemanha, com os recentes processos de depuração racial na Sérvia; dos recentes processos de depuração de tribos africanas, passando pela Sérvia, em nada diferem-se dos estupros coletivos que os russos praticaram contra as indefesas mulheres alemãs na segunda guerra mundial.

O apelo do carnaval à carne, reviverá em nossas mentes a violência sexual. Estupros vão acontecer; uns virão à tona, outros, ficarão adormecidos nas páginas da vergonha familiar.

Contraditória essa etapa da vida em sociedade. Crise ética não casa com repressão aos instintos. Pelo contrário, a crise ética da sociedade, onde a cada dia os paradigmas de vergonha e moral são enterrados, apenas joga mais lenha na pressão dos mecanismos de violência. Curiosamente, eu concordo com ela numa coisa. Só regras duras e penas severas inibiriam tais crimes. Mas, no atual estágio de complacência política, onde o roubo é visto como sinônimo de malandragem e onde pessoas honestas são alvo de achincalhes – quando não taxadas de incompetentes na escalada da ascensão social – não há que vaticinar sobre endurecimento.

Ademais, a religião é o fator determinante no recrudescimento moral; o arcabouço teórico cristão poderia muito bem ser o indutor de uma nova moral fundamentalista. Mas quem quer isso?

E assim vamos indo. Todos os dias a liberdade de imprensa mostrará novos e novos atentados, novas e novas violências. E nós refletindo em meio a tudo isso. Apenas fazendo uma leitura social e socializando na interação da blogosfera.

Outro dia, ouvindo a simplicidade da expressão verbal do seu Sagrillo, refletia profundamente sobre a extensão do seu pragmatismo: a pessoa que vai muito fundo nas coisas sofre muito. Ela vê coisas que as pessoas simples não vêem.

Vejam tudo o que está envolvido num pequeno post sobre violência sexual e suas implicações. Eu agradeço a todos que interagem comigo e são partícipes dessa reflexão coletiva.

Assembleia Nacional Constituinte

Urge, em nosso país, a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. É preciso repassar nosso país a limpo, rever as caduquices da constituição de 1988 e definir novas regras para a sociedade do futuro, inclusive com adequações à telemática e a inteligência artificial.

Assinei um manifesto nacional de juristas independentes pela convocação urgente de um processo constituinte.

É impraticável e será um erro histórico se forem mantidas as mesmas regras eleitorais previstas para 2022 e no meio, essa incerteza, do novo código eleitoral, poderes extrapolando poderes, poderes ameaçando não mais acatar decisões de poderes, em suma, caos a vista.
O judiciário precisa urgente passar por uma revisão total, assim como o MP e as defensorias públicas estaduais, as quais eu defendo a extinção e acho que esta deveria ser uma bandeira de todos os advogados.
Está na hora de extinguirmos o senado, eliminando o bicameralismo, reduzindo o número de deputados federais por Estado, e adotando medidas práticas urgentes: o voto distrital, manutenção  do financiamento público das campanhas e equiparar a corrupção a crimes hediondos.
Ontem, era apenas um sonho. Hoje, existem manifestações pipocando em todo nosso país, clamando por uma assembleia nacional constituinte, livre, soberana, autônoma e independente.
Estava mais do que na hora de nosso curso de Direito local e nossa universidade abrir este debate.
É a única forma de passarmos nosso país a limpo, de evitarmos a venezualização, cessarmos o acirramento de ânimos e de transferirmos para o povo e sua soberania sobre os rumos da nação.

Fake-news, semiologia e pensamento único

Foi no curso de pós-graduação em Letras ( Leitura, Produção, Análise e Reescritura Textual ) que eu tive a oportunidade de ler, refletir a aprofundar no pensamento de Saussure e a reflexão necessária sobre os meios e sistemas de comunicações vigentes numa sociedade.

Aí reside o maior impasse. Justamente, estudar e entender os meios e sistemas de comunicações. Não vou entrar aqui no debate sobre silogismos, paralogismos e aporemas.

Este é um artigo breve, para meu blog, portanto não se trata de nenhum ensaio acadêmico, mas, sim, uma reflexão em cima dos fatos e como se dá a leitura desses, e também pelo momento nacional, com jornalista, deputado e político, presos com fulcro num inquérito inconstitucional e ilegal, onde o acusador é o mesmo juiz que julga….P A T É T I C O.

Sempre escrevi que emprego o conceito de “ideologia” como visão de mundo, nas manifestações individuais ou coletivas, produzidas na arte, pintura, escultura, dança, música, literatura … Assim, tomo e emprego o conceito de ideologia como sinônimo de ideia, sendo muito mais gramsciano do que marxiano propriamente dito. Com o devido respeito às formulações hegelianas.

A interpretação de um fato social qualquer, comporta – sempre – mais de uma leitura. Depende do enfoque ideológico de quem interpreta esse fato.

O pensamento de direita, por exemplo, colide sempre com o pensamento de esquerda no tocante aos costumes. O nu de um homem pode ser visto como “artístico” ou “falta de pudor”, isso depende dos valores, ritos, costumes …de quem está fazendo a leitura daquele nu.

A leitura de Maquiavel, por exemplo, condensa mais de uma interpretação ou leitura. Para uns, “O Príncipe” pode ser um instrumento de dominação. Para outros, pode ser uma arma útil aos dominados, pois desnuda a dominação em si.

Hoje, existe no Brasil um claro e visível confronto entre duas ideias fundamentais, desde como o cidadão vê as instituições, até como as aceita,  crítica ou acriticamente.

A crítica associa-se à liberdade de expressão, por mais dura e áspera que possa ser, senão não é crítica. O próprio presidencialismo não é um dogma em si mesmo, afinal aí existe o parlamentarismo, ou, se quiserem, a própria monarquia. Uma crítica ao STF, por exemplo, comporta mais de uma leitura e não se associa – necessariamente – com uma tentativa de anular o poder judiciário. A crítica pode ser aos ocupantes do cargo e não a instituição. Agora, eu já li vários ensaios sobre inteligência artificial, que incidem na superação humana no ato de julgar. O mesmo, com o avanço da telemática, fala em substituir o parlamento pela auscultação direta do povo (friso que emprego a expresso povo no sentido político e população no sentido demográfico).

Estudei muito os clássicos de ciência política. Aliás, embora advogado, estudei no curso de ciências sociais, as disciplinas de ciências políticas, isoladamente. Foi ali que tive contato com as teorias de Montesquieu e a divisão dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário). É claro, sempre vamos nas raízes de John Locke e seu aflorado iluminismo.

Anos depois, no curso de Direito, especialmente estudando Direito Constitucional, Teoria Geral do Estado … somei os conhecimentos adquiridos numa área (ciências sociais/sociologia) com outra (Direito). O somatório desses conhecimentos permitiu-me entender – ao lado de outros ramos do Direito – o funcionamento do Estado, origens, desenvolvimento e estágios atuais, desde as formas e sistemas de governos, até a compreensão mais ampla da legitimação que um dos elementos constitutivos do Estado – o povo – concebe aos seus governantes.

É claro, a ciência política levou-me de Maquiavel a Gaetano Mosca, pois o estudo do poder, seu exercício e suas formas de legitimação, são imprescindíveis para entender o Estado em seu núcleo essencial.

Durante muitos anos, confesso, fui defensor da democracia como um valor universal. É claro, com um Estado controlado pelos três poderes harmônicos e independentes entre si.

Em 1998, entrevistando o Juiz de Direito Vanderlei Deolindo, levantei para ele, em conversa fora da entrevista, o debate sobre a legitimidade do poder judiciário.

Ele próprio, um juiz experiente, concordou com a reflexão acerca da ausência de legitimidade. Aliás, eu tive acesso, certa vez, a um debate num grupo de estudos liderado pelo então procurador-geral da Prefeitura de Santiago, Tacely Ceríaco Jr e também pelo Doutor em Ciência Política, Marcelo Duarte, aliás, esposo de uma juíza de direito, com avançadas teses acerca da desnecessidade do poder legislativo.

Com o avanço da inteligência artificial, futurologicamente falando, eu vejo os poderes clássicos em absoluta superação, principalmente o judiciário e o legislativo.

Discutir a superação de bases epistemológicas da constituição de poderes agora é crime?

O exercício do poder se relaciona com sua legitimidade e manutenção; e as formas de legitimação vão desde as ditaduras armadas até a criação de um consenso hegemônico de um povo – o que não quer dizer: absoluto.

O Brasil, hodiernamente, vive um choque de ideias e visões de mundo antagônicas entre si. Direita e esquerda pensam de forma diferente as relações sociais encetadas pelos poderes e as formas de comunicações expressas nas manifestações e narrativas.

Um fato expresso na rede globo é considerado falsa notícia por quem não pensa como os ideólogos da emissora. As mídias alternativas, especialmente as redes sociais, lançaram, no debate, uma narrativa que se choca com os atuais padrões de dominação, logo são consideradas falsas notícias, como se a interpretação e a leitura de uma narrativa, por um outro viés, fosse crime.

O que é falsa notícia para um receptor de direita, pode não ser falsa para um receptor de esquerda, e vice versa,  seja na interpretação das leis, da Constituição, dos costumes, do modo de vida etc …

Grasso erro mesmo é tentar criminalizar quem pensa diferente, julgando apenas com os instrumentais teóricos de apenas um campo de pensamento, ignorando a pluralidade de ideias e as narrativas divergentes entre si.

Esta encruzilhada em que se encontra o Brasil, seria desnecessária se tivéssemos este entendimento, que é básico para a harmonia numa sociedade onde os campos ideológicos, visões de mundo e costumes, são diferentes. Porém, professados por integrantes de uma mesma sociedade em suas diferentes estratificações e níveis, das classes dominantes às dominadas.

Pensar diferente, seria endossar o monopólio totalitário do pensamento único, a seguir o embate fratricida detonado a partir do entendimento de cada um sobre o que é falsa notícia.

Agir ao contrário, é agir como os acendedores de lampiões, revoltados com o advento da luz elétrica.

Tudo é algo a ser superado, desde o fundamentalismo e os dogmas. Inclusive o dogma de Montesqueau e de ambos os lados. Do contrário, a intolerância e a ditadura do pensamento único estará semeada, pois floresce, sim, ameaça os direitos e garantias fundamentais. Roberto Jeferson preso, que o diga.