VIGILÂNCIA TURBINADA: Ministério da Justiça comprou secretamente tecnologia que coleta fotos sem autorização para reconhecimento facial

THE INTERCEPT BRASIL – LAÍS MARTINS

O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA licenciou o uso do Clearview, um controverso software de reconhecimento facial, para servir na expansão do Projeto Excel, um também controverso sistema de vigilância focado na extração de dados de celulares.

É a combinação inédita de dois sistemas duramente criticados por violar a privacidade das pessoas – um oferecimento do governo Bolsonaro que Lula decidiu continuar.

O Excel foi criado em 2020 pela Seopi, a Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça – a mesma responsável por outros projetos de vigilância e pelo dossiê antifascista, um escândalo na gestão de Sergio Moro. O licenciamento do Clearview pelo MJ teve início em setembro de 2022, no fim do governo Bolsonaro, mas foi concluído em 2023, já na gestão Lula, segundo documentos ao qual o Intercept Brasil teve acesso.

O Clearview é um sistema de reconhecimento facial que usa uma base de fotos raspada em toda a internet, incluindo imagens coletadas em redes sociais sem autorização. Sua chegada para turbinar o Excel se deu mesmo depois que o controverso projeto entrou na mira do Ministério Público Federal.

Após uma reportagem do Intercept de março de 2022 revelar que o MJ estava emprestando suas ferramentas de extração às polícias estaduais em troca dos dados extraídos, ONGs provocaram o MPF, que em dezembro daquele ano ajuizou uma ação civil pública contra o Projeto Excel.

Na ação, o MPF pedia que o governo brasileiro suspendesse imediatamente o armazenamento e compartilhamento de dados de investigações policiais obtidos por meio do Projeto Excel e que destruísse as bases de dados em seu poder. O pedido foi considerado improcedente em primeira instância, o que gerou um recurso do MPF, que aguarda julgamento desde 2023.

Mas enquanto o MPF agia para frear o Projeto Excel, o MJ atuava na contramão: turbinando o sistema de vigilância com a contratação do Clearview, que tinha muito interesse em operar no Brasil, conforme nós mostramos em 2023.

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Em um termo de referência de maio de 2023, a Diopi, a Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência da Secretaria Nacional de Segurança Pública, ao qual a Seopi é subordinada, descreveu que a solução a ser contratada deveria “possibilitar pesquisas por imagens em mídias sociais com retorno de perfis que tenham faces semelhantes ao referencial inserido”. O valor estimado para a contratação foi de R$ 2,5 milhões para uso em oito máquinas da solução por um período de três anos.

“A solução deverá atender às demandas relacionadas à expansão do Projeto Excel, integrante do PACCO [programa de combate ao crime organizado], visando apoiar às agências de inteligência de segurança pública que aderiram formalmente o projeto, bem como os cinco centros integrados de inteligência e segurança pública (Rede CIISP) no enfrentamento às organizações criminosas”, diz o documento. Até o início de 2022, 26 estados já haviam aderido ao projeto.

No documento, a Diopi se descreve como “protagonista” de um movimento para proporcionar “melhor aparelhamento tecnológico das instituições que atuam direta ou indiretamente no combate à corrupção e à criminalidade”. As principais ferramentas utilizadas no Projeto Excel são os softwares da empresa israelense Cellebrite, notória por desenvolver programas forenses e de espionagem utilizados em 150 países.

‘O modelo de negócios da Clearview por si só já é contra a LGPD’.

A Cellebrite fornece diversas soluções – há softwares que permitem extração de dados de computadores, celulares e armazenados na nuvem, e também ferramentas que permitem o cruzamento e integração desses dados.

Mas, com a evolução tecnológica, veio a demanda por uma ferramenta que complementasse as soluções que o MJ já usava no Excel, combinando as informações extraídas dos celulares e programas de reconhecimento facial. “Ao recuperar dados de um dispositivo móvel, por vezes torna-se necessário o enriquecimento da informação a partir de imagens. Com as imagens, são identificados os perfis em mídias sociais de alvos integrantes de organizações criminosas”, diz o MJ no termo de referência.

Foi aí que entrou a Clearview, um sistema de reconhecimento facial amparado em uma base de dados com fotos coletadas em toda a internet. O que torna a tecnologia singular é que ela se baseia na varredura e raspagem de imagens de tudo quanto é lugar –  sites de notícias, fotos de eventos como shows e manifestações, e redes sociais públicas. Tudo sem autorização dos fotografados, é claro. Quando um rosto é detectado, ele é capturado e alimenta um banco de dados que hoje já conta com mais de 20 bilhões de imagens de pessoas, segundo a empresa.

O Clearview já foi proibido em vários países europeus. Tendo como base a GDPR, a Lei Geral de Proteção de Dados europeia, órgãos reguladores avaliam que seria preciso consentimento dos usuários para processar fotos, que são consideradas dados pessoais sensíveis. Até a Meta, Youtube, Twitter e Linkedin já exigiram que a empresa parasse de raspar imagens de seus usuários.

No Brasil, que tem uma lei de proteção de dados similar à da Europa, é Clearview é visto como potencialmente ilegal por especialistas. “O modelo de negócios [da Clearview] por si só já é contra a LGPD”, disse ao Intercept Pedro Saliba, coordenador de assimetrias e poder da Data Privacy Brasil. O fato de a empresa ter treinado inicialmente a IA e o sistema de reconhecimento facial utilizando o rosto de pessoas sem nenhum consentimento delas, para ele, “anula qualquer tipo de conformidade com a LGPD”.

Além disso, embora a Clearview diga que possui um banco de dados com bilhões de fotos, isso não é suficiente para atestar sua capacidade no mercado acima das concorrentes, explicou o professor de Ciências da Computação da Universidade de Brasília, Flávio Vidal. Segundo ele, o software da Clearview não está nas melhores posições do ranking do Institute of Standards and Technology (NIST), índice que avalia tecnologias de reconhecimento facial.

“A minha pergunta é: por que eles contrataram a Clearview e não foram atrás de outras empresas que estão no top 1 do NIST e que, teoricamente, respeitam a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)?”, questiona Vidal. O professor lembra que a Clearview só começou a participar do teste do NIST porque foi questionada publicamente, depois do vazamento de dados em 2020.

Concorrência de um concorrente só

A contratação foi selada em outubro de 2023, quando o Ministério da Justiça e Segurança Pública realizou um pregão para contratar uma solução de reconhecimento de padrões em bases abertas. Só uma empresa apresentou proposta: a Inspect Inteligência e Tecnologia LTDA, com sede em Belo Horizonte. A Inspect tem como sócia a Hex360, uma empresa de tecnologia que já recebeu mais de R$ 35 milhões em recursos do governo federal.

Na proposta, à qual o Intercept teve acesso, a Inspect oferecia oito licenças para o software Clearview Basic por um período de 36 meses, além de garantia e assistência técnica, por um valor de R$ 2 milhões. Uma nota fiscal anexada a um processo de compra da ferramenta por parte do Senado (leia abaixo) foi emitida em fevereiro de 2024, com o valor integral.

Segundo Bianca Berti, analista sênior de transparência e integridade na Transparência Brasil, não é ilegal que o pregão seja concluído com apenas um interessado, mas é importante se atentar para as razões para que isso ocorra. Segundo ela, caso o edital e o termo de referência demonstrem indícios de que o objeto que se deseja contratar seja uma tecnologia proprietária específica, fornecida por apenas uma empresa, não existem condições necessárias para garantia da ampla concorrência.

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“israel” matou seus próprios cidadãos em 7 de outubro, admite Yoav Gallant

FONTE – FEPAL  – Federação Arabe Palestina do Brasil

Então ministro da “defesa” sionista reconhece que deu ordens para a aplicação da famigerada Diretiva Hannibal.

 

Por Asa Winstanley*

Tropas israelenses receberam ordens de atirar e matar civis israelenses capturados em 7 de outubro de 2023, admitiu o então ministro da defesa de Israel na semana passada.

A ordem para executar a chamada Diretiva Hannibal de Israel foi emitida “taticamente” e “em vários lugares” próximos a Gaza, disse Yoav Gallant ao Canal 12 de Israel na quinta-feira. “Em outros lugares não foi dada, e isso é um problema”, ele continuou.

Questionando Gallant, o jornalista Amit Segal esclareceu aos espectadores que “a Diretiva Hannibal diz para atirar para matar quando há um veículo contendo um refém israelense” — uma caracterização que Gallant não contestou.

Gallant estava falando em sua primeira entrevista à televisão israelense desde que foi demitido em novembro.

Primeira admissão pública

Ao contrário da declaração de Gallant de que a Diretiva Hannibal foi aplicada de forma desigual em diferentes áreas, o jornal israelense Yediot Ahronot relatou em janeiro de 2024 que ao meio-dia de 7 de outubro, uma ordem inequívoca foi dada pelo alto comando militar israelense para invocar a Diretiva Hannibal em toda a região.

A ordem veio “mesmo que isso signifique colocar em risco ou prejudicar as vidas de civis na região, incluindo os próprios prisioneiros”, relataram os jornalistas israelenses Ronen Bergman e Yoav Zitun.

Em julho, o jornal israelense Haaretz relatou que a ordem “nenhum veículo pode retornar a Gaza” foi emitida para a Divisão de Gaza do exército israelense às 11h22 daquele dia.

Mas a nova declaração de Gallant é altamente significativa, como a primeira admissão pública de um ministro israelense contemporâneo de que suas tropas receberam ordens de atirar em seu próprio povo em 7 de outubro.

Uma doutrina militar emitida pela primeira vez em segredo por generais israelenses na década de 1980, a Diretiva Hannibal é o pacto nacional de assassinato e suicídio de Israel.

Inicialmente, ela afirmava que, quando emitida, as tropas israelenses poderiam atirar em outras tropas israelenses que tivessem acabado de ser capturadas por combatentes palestinos ou outros combatentes da resistência árabe.

Sem precedentes

Mas em 7 de outubro de 2023, em uma ofensiva militar sem precedentes, combatentes palestinos recapturaram terras próximas à Faixa de Gaza, que haviam sido perdidas para os israelenses em 1948.

Aproximadamente 250 soldados e civis israelenses foram capturados pelo Hamas e outros grupos armados palestinos, no que eles chamaram de Operação Inundação de Al Aqsa.

A resposta de Israel foi reativar e liberar a doutrina Hannibal, estendendo-a aos civis israelenses, bem como aos soldados.

O fogo de helicópteros israelenses, drones, tanques e até tropas terrestres foi deliberadamente liberado, em uma tentativa fracassada de impedir que combatentes palestinos fizessem prisioneiros israelenses vivos que seriam trocados por prisioneiros palestinos.

Cerca de 1.100 israelenses foram mortos. Ainda não está claro exatamente quantos deles foram mortos por israelenses e quantos por palestinos. Um ano depois, uma investigação da The Electronic Intifada descobriu que pelo menos “centenas” foram mortos por Israel.

Números oficiais, publicados pela primeira vez no mês passado, revelaram que a Força Aérea israelense disparou 11.000 projéteis, lançou mais de 500 bombas pesadas de uma tonelada e lançou 180 mísseis “durante os combates” em 7 de outubro.

Um inquérito independente das Nações Unidas criticou no ano passado as autoridades israelenses por barrar seu acesso ao país.

“Autoridades israelenses não apenas se recusaram a cooperar com a investigação da comissão, mas também teriam impedido profissionais médicos e outros de entrarem em contato” com elas, afirmou o relatório do inquérito.

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