Sobre Fromm e outros saberes

Eu li Erich Fromm. A ARTE DE AMAR, em 1984, pela primeira vez. Pertencia ao Centro de Estudos Freudianos e nos reuníamos todos os sábados a tarde, no Museu do Trem, em São Leopoldo. Éramos jovens, mas ali já emergiam sumidades como Mario Fleig e Paulo Petry.

Nosso grupo era aplicado, ficamos meses só na filosofia, meses na sociologia, meses na psicanálise … e passaram-se alguns anos. Para mim, o bom foi descobrir o arquétipo das várias ciências e certamente era o mais versátil, pois trafegava ao mesmo tempo na ciência política (recomendo que todos leiam o livro “Tudo Começou com Maquiavel”, de Luciano Gruppi), na Antropologia, pois era fascinado pela proposta de Lévi Strauss e entender a fonologia, a psicanálise e marxismo, a partir de uma concepção dialética e interativa; foi com Florestan Fernandes, a quem conheci em vida, que rompi com a idéia de um sistema funcionalista única e foi um simples texto dele sobre como estudar uma tribo de indios, isolada, que emergiu em mim a possibilidade de usar outros métodos, além da dialética, o estrutural-funcionalismo. E desde então, embora eu use a dialética como método, dou vivas incursionadas noutros métodos e até fundo vários métodos para estudar e aplicá-los sobre alguma realidade.

Mas, como dizia, eu vivia uma certa inquietação. Não tinha como ler todos os clássicos, que dariam a arqueologia do saber de cada ciência, então pus-me a ler os resumos, dos autores franceses principalmente. E como estava certo, impossível era eu ler, dissecar e entender o pensamente de Hegel, mas foi lendo CONHEÇA HEGEL, de Roger Garaudy, que pude ler aos 27 anos entrar para dentro do sistema; é claro, comprei a pequena enciclopédia hegeliana e de Marx, e sabia muito, pois já vinha de 3 anos do curso de Sociologia e o lia no dia a dia.

Assim, fui fazendo o mesmo com todas as ciências e seus paradigmas, não estudando tudo, mas buscando compreender os pensamentos dominantes, na economia, já dominava Marx, foi-me fácil chegar em Ricardo e Adan Shimitz…Hume, Quesnay…tudo me virou uma facilidade.

Nesse período decidi abandonar todos os estudos formais. Fui no direito e descobri um a um dos seus paradigmas: jusnaturalismo, positivismo e – é claro – apaixonei-me pela Teoria Dialética do Direito.

Daí, fui para a Sociologia das Religiões e descobri o quanto tudo isso, mais o ocultismo de Pappus, tenho uma coleção de 20 livros somente de autores ocultistas mexeu comigo…e aqui acho que matei minha alma. Perdi a fé, fui tomado pela descrença e agora volto ao início desse artigo, Erich Fromm e A ARTE DE AMAR.

Com Fromm, descobri os vários amores, do pessoal ao inter-sexual. E como é complicado esse debate e a separação dos limites da amizade e do amor carnal.

Estabeleci esse debate, precário, aqui em Santiago, com uma amiga. Sempre deixei bem claro meu amor por ela não era carnal. E não me vejo em condições de tal, sofri muito com a perda da Eliziane, mas precisei fazer uma desconstrução. Mas a respeito, entendi suas razões, e até elogio sua coragem de romper tudo (exceto a Nina que é outro assunto). Essa amiga, mais nova que a Lizi, que apareceu em minha vida, veio por livre e espontânea vontade, veio pelo face e tornou-se nesses meses, mais importante na minha vida do que a Eliziane representou em doze anos. Estranho, ela contou-me que ficou curiosa por me conhecer de tanto que os professores falavam mal de mim.

No inicio, quando falávamos em sexo, sempre acabávamos discutindo, ela queria saber de minhas outras amigas, se eu tinha transado com essa ou aquela. No debate e nossa amizade começou a tornar-se estéril. A gente debatia, mas eu sentia saudades dela.

Hoje, consegui atingir uma plenitude afetiva com ela, eu sei o quanto ela me ama, eu também sei o quanto a amo, mas é um amor divino, espiritual, sem contato físico, sem sexo, ela me ajuda, me da conselhos, cuida de mim, é minha melhor amiga dentro de Santiago.

E quantos amores existem assim em Santiago? Aposto que milhares, talvez as pessoas não saibam compreender, nem exteriorizar e nem abrir o debate, que é necessário.

Por fim, eu fiquei feliz demais por tudo, por ela saber que seremos apenas amigos nessa vida, com os campos bem delimitados, e ela vai seguir a vida dela, com o tempo, encontrar um esposo, constituir uma família, mas eu ficarei gravado na vida dela, como um amor diferente, puro, voltado para a edificação e para a espiritualidade, como era Jesus Cristo com Madalena.

O problema vai ser a NINA entender isso tudo. Minha filha é totalmente anormal para a idade dela. Ela sabe que fico sozinho e acho que isso a incomoda. Ela quer que eu namore “A” ou “B”. Explico-lhe que não quero nem escolha e nem opções, tento passar uma visão bíblica para Nina. Mas ao tem jeito, ela sempre suas soluções: namora as duas pai, assim tu nunca fica sozinho.

Explico-a então que isso não agrada aos olhos de Deus; ela fica pensativa, pensativa…mas esse é o começo do amor em Fromm e nossa discussão local.

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Da violência sexual e a moral social como castração dos instintos

Certa vez, conversando com uma ex-amiga,  puxou um longo assunto comigo antes de escrever o artigo; horrorizada com a banalidade da violência sexual, ela divide-se entre a vida e propostas de direita, as quais nunca abandonou totalmente. Ela defende a castração química e outras práticas afins. Ouvindo-a, noto que ela é centrada, tem um pé na biologia e outro na ciência política, sempre.

Ela  me faz pensar longamente. Temos visões diferentes para problemas iguais. Ela acusa-me de determinismo genético, alusão a visão que tenho de que o ser humano é produto cromossômico e ponto final. O meio? Quem meio, o meio apenas é a maquilagem. O ser humano vem pronto.

Hã, se vai desenvolver suas potencialidades – ou não – é outro debate. Agora, tenho uma opinião muito forte sobre os gens da violência em nossa carga genética e isso é uma guerra que cada um de nós trava internamente. Como controlar nossos impulsos, nossos ódios, nossas violências? Esse é um bom debate.

A violência sexual é apenas um capítulo encadernado em nossas vidas. Podemos até domesticá-la a ponto de reprimi-la, mas nunca extirpa-la de nossos corações e mentes. Noto a relação absurda de nossa sociedade pós-moderna com os impulsos e desejos. De um lado, existe um apelo sexual e erotizado em tudo; nas propagandas de bebidas, de roupas, de calçados, de automóveis e até de medicamentos. Já contei essa história várias vezes. Certo dia, observava uma publicidade de sapato, onde o foco era a ingenuidade de uma menina-moça, de pernas abertas, calçinhas à vista, e – secundariamente – apresentava o sapato, embora o alvo fosse o calçado. Ademais, a foto num tom ingênuo, em cores leves, insinuando pureza, induzia todos a pensarem que se tratava de uma virgem descobrindo o mundo num par de sapatos.

O sexo violento está em todos os lugares, nos filmes, na TV, nos apelos fáceis e na comercialização, aliás, banalizado. O desejo de estupro faz parte do inconsciente coletivo coletivo da sociedade pós-moderna, embora nossos pudores de um moralismo judaico-cristão não os admitam. Eles estão a flor da pele e basta uma vertente institucional e ele toma forma. Assim o foram com os alemães, com os russos invasores da Alemanha, com os recentes processos de depuração racial na Sérvia; dos recentes processos de depuração de tribos africanas, passando pela Sérvia, em nada diferem-se dos estupros coletivos que os russos praticaram contra as indefesas mulheres alemãs na segunda guerra mundial.

O apelo do carnaval à carne, reviverá em nossas mentes a violência sexual. Estupros vão acontecer; uns virão à tona, outros, ficarão adormecidos nas páginas da vergonha familiar.

Contraditória essa etapa da vida em sociedade. Crise ética não casa com repressão aos instintos. Pelo contrário, a crise ética da sociedade, onde a cada dia os paradigmas de vergonha e moral são enterrados, apenas joga mais lenha na pressão dos mecanismos de violência. Curiosamente, eu concordo com ela numa coisa. Só regras duras e penas severas inibiriam tais crimes. Mas, no atual estágio de complacência política, onde o roubo é visto como sinônimo de malandragem e onde pessoas honestas são alvo de achincalhes – quando não taxadas de incompetentes na escalada da ascensão social – não há que vaticinar sobre endurecimento.

Ademais, a religião é o fator determinante no recrudescimento moral; o arcabouço teórico cristão poderia muito bem ser o indutor de uma nova moral fundamentalista. Mas quem quer isso?

E assim vamos indo. Todos os dias a liberdade de imprensa mostrará novos e novos atentados, novas e novas violências. E nós refletindo em meio a tudo isso. Apenas fazendo uma leitura social e socializando na interação da blogosfera.

Outro dia, ouvindo a simplicidade da expressão verbal do seu Sagrillo, refletia profundamente sobre a extensão do seu pragmatismo: a pessoa que vai muito fundo nas coisas sofre muito. Ela vê coisas que as pessoas simples não vêem.

Vejam tudo o que está envolvido num pequeno post sobre violência sexual e suas implicações. Eu agradeço a todos que interagem comigo e são partícipes dessa reflexão coletiva.

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Penso, logo sou um cadáver em Santiago. Produzimos o inverso da lógica cartesiana

Paira uma atmosfera tétrica sobre os céus noturnos de Santiago. Nuvens cinzentas e escuras cobrem as estrelas e movem-se como se ensaiassem um balet em câmera lenta, um longo vem-e-vai sem começo e sem fim, apenas passeante e misterioso. Um vento frio e levemente forte parece conduzir segredos não revelados da angústia de uma sociedade. Ao contrário da tradicional alegria nos sorrisos, do gestos expansivos e festivos, noto as pessoas retraídas e querendo buscar algo de dentro de si mesmas. É o frio da noite, parece prelúdio do outono. Paira uma sensação de introspeção coletiva e nesse quadro sombrio debruço-me na vã tentativa de decifrar o imaginário social. Saio para fora da cidade e contemplo a paisagem noturna ao longo, o lusco-fusco dos faróis e luzes, o silêncio cortado pelos sons dos animais noturnos. Ecos de músicas, vozes perdidas se entrelaçam no mistério que reina.

Penso na razão de ser da cidade, na aglutinação de pessoas, nos bairros, nos serviços públicos, no trabalho e na lógica que alimenta vida, com seus mistérios, costumes, ritos e mitos. O hospital, majestoso, é um símbolo da vida pari passu as cercanias mortuárias de funerárias de plantão, ávidas por um cadáver sem vida. E isso não é redundância, existem muitos cadávares andando pelas ruas, sobre esses Nietzsche já vociferou. Penso que poderiam estar noutro lugar, seria mais confortante para os doentes e inválidos que sabem que o próximo leito é o catre do necrotério. Aliás, outro dia, um sábio ignorante desses que faz escola em nossa cidade, ironizou de mim que escrevi sobre os cadáveres mortos. Se esse tolo ao menos conhecesse as metáforas de Nietzsche aos cadáveres, homens vivos, acríticos, que são conduzidos pelos outros, pouparia-me de explicações idiotas.

Penso nos ritos fúnebres pelos quais todos nós passamos um dia. Cerimônias, rezas e orações, cortejos e tudo é compreensível pela linguagem dos semblantes, que não se expressa, apenas exprime uma feição de dor.

Mas tudo são ritos. Do encontro de um casal a geração de uma criança, o berçário, a lógica dos primeiros passos, a educação, o lar e a família. Em meio a tudo isso, as convenções e os códigos morais. A televisão substituiu a velha moral dos livros e ensina novos costumes ao coletivo social pela cabeça única de um diretor em busca de audiência. Noto famílias hipenotizadas e presas a magia fantástica da telinha que seduz, dita regras e molda comportamentos.

Pelos cantos da cidade, escolas, quadras de esportes, bares, praças, clubes, ruas, postes de luzes, canos conduzem água, é a corporificação de infra-estrutura necessária para ser: cidade.

No meio de tudo, homens e mulheres, com seus sonhos, decisões, buscas, manifestações. Nós, criamos e tentamos traduzir um pouco do que vemos, fizemos da informação, um comércio. Os agentes de repressão do Estado agem pela manutenção da ordem e existem na suposição da desordem. Crianças violentadas, agressões, ódios que afloram, comportamentos que expressam a violência, manifestação de apelo aos instintos, eis que todos precisam de um regramento forte por normas de conduta e convívio sociais. Psicologia do ajuste, psicanálise coletiva, direito da repressão e opressão, pobres em seus cantos e ricos em suas mansões. Nada de arte de roubos e furtos, o caminho pode ser o presídio, o enjaulamento. Os agentes estão a postos. Cuidando, ganham para isso, são pagos pela lógica de um sistema tributário perverso.

Denominações religiosas acotovelam-se na disputa pelo exército de uma multidão que insiste em segurar-se numa crença e numa fé, mesmo que essas sejam sintetizadas e sistematizadas por homens em busca de poder e império. E o ópio do povo, crack do povo, cocaína do povo, Marx usou ópio devido a época, hoje seria uma droga sintética qualquer … do povo. Até eu preciso desse ópio.

Penso na tolice e nas mentiras que grassam. A lógica da vida é perversa, pois somos acostumados a mentira e a ruptura com essa pode significar o mais terrível exílio social. É um exílio atípico, dentro de nós mesmos, no seio social, que pune com as regras invisíveis.

E continuo olhando a noite de Santiago. Andando sem rumo, tentando decifrar a lógica embutida em cada terreno, em cada casa, em cada carro, em cada bairro. Andando, perambulando, vejo lojas, vitrinas, bares, comércio.

Sinto asco de tudo e nego-me a ser Descartes e a lógica de um funcionamento social como um aparelho humano. Para que discursos metódicos? Há um pavor de tetricidade em tudo, inclusive no gozo; não sem razão David Cooper proclamou o orgasmo como um mergulho irracional na morte e a certeza do regresso, misteriosamente, assegurado.

Nesse pavoroso juízo social em que as instâncias bachelarianas apresentam-se tênues, extremamente frágeis, resta-me apenas a maldita e maravilhosa dialética e a relativização quase absoluta de tudo.

A questão central de tudo é a aceitação das convenções, posto que está indicado o caminho da redenção. O inverso, é a maldição social. Ainda bem que a moderna era da telemática soou um conforto para os malditos, deixando a expressão on line. Mas mesmo para esses malditos, o custo da maldição ainda é aceitação mínima de algumas regras, senão restará o abismo total: a palidez de um túmulo, o asilo da decrepitude social ou a degenerescência progressiva até a consumação física do corpo.

Racionalizando tudo isso, vivo. Fujo na literatura, passo viajando e em cada viagem descubro-me mais encerrado em mim mesmo. É o custo de não aceitar as convenções e da descoberta de toda a lógica que encerra um agrupamento social. Resta-me escrever como uma forma de vingança, embora arda o custo de saber que raros conseguem ler-me.

Quisera ser mais fantasia, cobiço a fantasia, preciso da fantasia.  Enquanto nada acontece, escrevo enquanto olho a cidade noturna. Penso, logo sou um cadáver em Santiago. Para eu ser a lógica cartesiana, não posso pensar e nem ser o que sou. Por isso, tantos não pensam e aceitam tanta imbecibilidade. Ou se pensam, fingem que não pensam para serem aceitos. Somos todos escravos das convenções sociais.

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Diderot: “ou muito me engano ou o gênero humano será subjugado a cada século por um punhado de enganadores”.

Maurice Barrés, o ultraconservador do século XX, considerava Diderot e Rousseau “as duas grandes forças da desordem”, segundo ele, “responsáveis por muitos males”.

Denis Diderot logo compreendeu a determinação das estruturas sobre a ação do indivíduo e escreveu: “ sou como sou, porque foi preciso que me tornasse assim. Se mudarem o todo, também serei mudado, o todo está sempre mudando”.

Em sua espetacular obra, “No sonho de D´ALEMBERT”, colocava palavras na boca de um amigo que, sonhando pronunciava: “ todos os seres circundam uns aos outros. Tudo é fluxo perpétuo. O que é um ser? A soma de um certo número de tendências. E a vida? A vida é uma sucessão de ações e reações. Nascer e viver e morrer é  mudar de forma”.

Já na obra “NO SUPLEMENTO DE À VIAGEM DE BOUGAINVILLE”, o sábio Diderot aconselhava a desconfiar de todas as instituições, civis, políticas, religiosas e foi mais longe “ ou muito me engano ou o gênero humano será subjugado a cada século por um punhado de enganadores”.

Entretanto, a obra prima de Diderot é mesmo o “O SOBRINHO DE RAMEAU”, sendo que nessa magnífica obra o filósofo relata a conversa com um jovem vigarista; porém, de uma forma genial, coloca na boca do vigarista uma audaz defesa da vigarice, cujo escopo era atingir a moral vigente.

Séculos se passaram e as previsões desses filósofos são tão atuais como a telemática nos dias de hoje.

Em Eneida, de Vergílio, canto 2, verso 65, aparece a frase: “ab uno disc omnes”, que quer dizer: por um se conhece a todos.

O momento político é de descrédito total na política e nas instituições.

Rousseau, citado por Barrés, também como força da desordem, também não tinha confiança na razão humana. O problema que Rousseau se defrontava era assegurar as bases de um CONTRATO SOCIAL que permitisse aos homens terem na vida social a liberdade capaz de compensarem o sacrifício da liberdade com que nasceram. Observando a sociedade e suas estruturas e superestruturas, é fácil identificar a ação das estruturas sobre os homens, principalmente a infra-estrutura econômica e a superestrutura jurídica. Rousseau pregou mudanças profundas e  elas deveriam ser feitas por homens organizados e sérios. E mais: previu que elas não seriam pacíficas.

Séculos nos separam de Diderot e Rousseau, precisamos nos unir e reverter esse quadro socioeconômico da nossa região.

Torço para que tudo de certo. Covardes não fazem a história. E que essa luta desse grupo seja um sentido em nossa vida, como foi no coração, na mente e na alma de Diderot e Rousseau.

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Nada como um dia após a outro

Em 2008, quando defendi o monitoramento do centro por câmeras de segurança, 90% dos presentes no CES deram risada e acharam a proposta utópica. Eu era candidato a prefeito. Hoje, inauguram os sistemas com pompa em todas as esquinas. Nada como um dia após o outro.

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