Renata Gil – Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
Judiciário no Brasil com a Constituição Federal de 1988, o acesso à Justiça passou por uma ampliação gradativa, que se acentuou com a digitalização – a partir da primeira década do Século XX – e atingiu o apogeu recentemente, durante a pandemia de covid-19, quando os tribunais adotaram tecnologias da informação e de comunicação para viabilizar o trabalho remoto. O desafio, neste momento, é outro: construir uma «porta de saída» que garanta a resolução das lides dentro de um prazo adequado.
Uma das características mais emblemáticas da democracia no Brasil é o livre acesso ao Judiciário. Existem pouquíssimos óbices à apresentação de ações na Justiça – algumas das quais podem correr, inclusive, sem a necessidade de advogado. Nossos magistrados desfrutam de liberdade absoluta para decidir conforme as suas convicções, respeitadas as provas arroladas, naturalmente. Esse é um traço distintivo do Estado de Direito, que nos coloca em pé de igualdade com nações desenvolvidas.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) realizou, em maio deste ano, em Salvador, o 24º Congresso Brasileiro de Magistrados (CBM) – ocasião em que foram apresentados os resultados preliminares da pesquisa “O exercício da jurisdição e a utilização de novas tecnologias de informação e de comunicação”, realizada em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso Brasil).
O estudo revelou que, para 76,5% dos juízes, o acesso da população aos órgãos de Justiça foi ampliado com a digitalização dos processos. Para 79,1%, houve diminuição dos custos, e, para 86,3%, as inovações simplificaram procedimentos. Esses indicadores demonstram, inequivocamente, que a Justiça está de braços estendidos para a população.
Em decorrência mesmo da nossa condição de subdesenvolvimento, em que diversos conflitos sociais grassam no seio da sociedade, o Judiciário brasileiro tem um dos maiores acervos do mundo: 75,4 milhões de processos em curso no final de 2020, de acordo com o levantamento “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Para dar conta de tamanho expediente, o órgão disciplina a atuação dos cerca de 18 mil juízes do País, cuja produtividade aumenta a cada ano.
Já vivenciamos um movimento de redução do estoque: em 2015, atingíamos 100 milhões de processos – marca que vem caindo graças a iniciativas fundamentais como a gestão de precedentes e a adoção de tecnologias de ponta, como a inteligência artificial. Tal avanço não se dá, todavia, sem sacrifícios pessoais de magistrados e demais servidores do Judiciário, que enfrentam rotinas extenuantes para fazer valer o princípio da razoável duração do processo.
Temos, agora, a possibilidade de alargar a “porta de saída” do Judiciário ao mesmo tempo em que aperfeiçoamos a prestação jurisdicional: a Proposta de Emenda à Constituição 10/2017, conhecida como PEC da Relevância, que estabelece critérios para a tramitação de recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se aprovada, a proposição permitirá à corte dedicar-se com integralidade à sua vocação originária: uniformizar a interpretação do Direito federal.
Conforme a proposição, têm relevância presumida as ações penais, as ações de improbidade administrativa e aquelas capazes de gerar inelegibilidade, bem como as causas com valor que ultrapasse 500 salários mínimos. A fixação dessas condicionantes servem, portanto, para barrar recursos que, amparados em controvérsias exaustivamente dirimidas, sequer têm razão de existir.
A verdade é que precisamos, com urgência, adotar medidas que, preservando a abrangência de acesso vigente, facilitem o trânsito em julgado, hoje, muitas vezes inatingível, seja pela ocorrência de recursos protelatórios que visam, além de retardar o cumprimento da pena, a própria extinção da pretensão punitiva do Estado, seja pelo congestionamento natural de um Poder que, super demandado, ainda sofre com problemas estruturais e de falta de capital humano.