O maior amor do mundo

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Nina, dia 25 de maio de 2020.

Nina, minha filha, é produto de múltiplas contradições. Na verdade, é meu maior prêmio e meu maior castigo.

O castigo, advém do martírio que foram esses últimos seis anos. Meu sonho, era criá-la, ensiná-la valores, conviver com sua infância e transmitir-lhe conhecimentos. Deriva-se dessa frustração a minha maior dor.

Mas, por outro lado, Nina acabou se transformando no maior amor de minha vida, o mais puro, mas sublime e – quiça – o único verdadeiro e universal. Certo dia, o amigo Márcio Brasil me disse que o único amor possível nesse mundo era somente o de pai por seus filhos. Evidente, não conhecemos o amor de mãe. Por isso, não falo do amor materno.

Existe uma magia na minha vida. Um mistério, o caos e uma ruína. Tudo, coabitando com o cúmulo das contradições. A separação de Nina resultou num brutal processo de alienação parental de todos os lados possíveis e imagináveis. Entretanto, resistiu a tudo. Com o passar dos anos, percebi que fui morrendo aos poucos, é uma morte estranha, como se fossem tirando filetes da minha alma. Percebo isso claramente.

Dia 04 de junho Nina completa dez anos. É uma mocinha muito linda, se achou num mundo estranho, adverso, cheio de situações inusitadas. Mas, como me disse: – não tenho alternativa.

Várias pessoas já me perguntaram se eu me arrependo disso ou daquilo. É tudo estranho em meu interior. Mas não sei o que é arrepender-se. Reflito muito, muito, mas nada até hoje, dos eventos significantes de minha vida, nada me aponta no rumo do arrependimento.

Talvez, talvez, talvez, se eu criasse Nina, como sonhei, não a amaria como a amo e nem teria as oportunidades raras de vivenciar o amor, tal como experenciei.

Hoje, em meio à pandemia, isolado, bastante doente, vivo de lembranças e recordações. Mas essas, são fortes o suficiente para impulsionarem minha alma enquanto Deus não me levar para o abrigo eterno.

A última vez em que deixei minha filha em sua escola, em São Borja, aconteceu algo totalmente mágico para meus sentimentos e para minha alma. Algo que nunca tinha acontecido. Almoçamos, saímos passeando pela rua.

No vai e vem de carros, na frente do colégio, comecei a procurar espaço para estacionar. Percebi um mercado, um pouco antes, com vagas no estacionamento. Enquanto manobrava o carro, olho para Nina e vejo seus olhos cheios de lágrimas. O momento era delicado, finjo que não vejo, mas sinto minha alma cortada. Ela vai calada para a fila da aula. Não falo nada, porque, se falasse, eu também desabaria. Porém, nunca imaginei o que estava por acontecer. Na fila, Nina põe-se a chorar, algo como nunca tinha visto. Agarra-se em minhas pernas, e chora, chora e chora. Todos observam a atipicidade da cena. Até que num impulso, como se a partida fosse dura demais, Nina diz-me que vai ao banheiro, e me diz baixinho: – vai pai.

Ela sabia que tinha aula e que eu deveria voltar para Santiago.

Porém, a viagem de volta para mim foi uma tortura, um martírio e revelou toda minha impotência enquanto ser humano, como pai, como advogado, senti-me o pior fragmento humano, para não falar em lixo.

Na noite em que antecedeu a viagem de volta a São Borja, Nina estava totalmente diferente. Pegou um livro de historinhas infantis, comprado quando ela tinha um ano, pediu-me mama com nescau em sua velhinha mamadeira e deitou-se. Abraçou meu braço direito e balbuciou: – pai, eu me sinto tão segura perto de ti.

Feita a mamadeira, ela escolhe uma história e pede-me para eu ler. Ela escuta tudo com os olhos cheios de lágrimas, mas sem chorar. Ela mama e ouve a leitura.  

Dormiu mansa e suavemente abraçada em meu braço. Foi um sono sereno, tranquilo e – estranhamente – sem se mexer. É que minha filha se mexe muito (é sempre assim). Porém, nessa noite, foi tudo diferente. Sei lá, acho que ela dormiu como se estivesse nas nuvens, e que eu não era seu pai, devia ser algo metafísico …

O mundo não é perfeito e nem nós somos perfeitos. Somos falhos e cheios de imperfeições.

Veio à pandemia, fiquei recluso, agravou-se muito a minha diabete,  com a visão ofuscada pela retinopatia, perdi o contato com meus amigos e amigas, exceto a via telemática.

Todos os dias falo com minha filhinha pelo whatsapp; falamos pouco, mas vou tentando encaixar as peças de um absurdo processo camusiano de vida. De um lado, é tudo tão harmônico e perfeito. De outro, é tudo tão caótico e imperfeito. Mas foi o destino que Deus me reservou.

Não sei o que vem pela frente, a vida de minha filha, seu destino. O isolamento propiciou-me as mais lindas reflexões acerca do que foi minha vida até esse momento. Sempre entendi que os homens devam ter honra, até na hora da morte. A honra associa-se à dignidade. E a honra e a dignidade não rimam com covardia.

Não sei e duvido que alguém saiba o que vem pela frente. Mas sempre ensinei a Nina que a gente deve ter dignidade, honra, não mentir nunca, não recuar das lutas e ser justo para com as pessoas.

Deus ensinou-me quase tudo da vida. Entendi o que é o maior amor do mundo, entendi o que é amor, apenas me reservo o direito de entender o que vem com o vir-a-ser.

Júlio Prates, dia 20 de maio de 2020.

O vir-a-ser é futuro e o futuro ainda não é. Este ano, a aniversário de Nina não é comigo, as datas ficaram alternadas. Dia 04 de junho próximo ela completa dez anos. Vou me limitar a orar por ela, pelo seu futuro e pelo que virá.

Como não poderia narrar que sou um homem feliz, até porque entendo de onde brotam as perfeições no meio de tantas imperfeições. Deve ser Deus.

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