O amor enquanto herança de um legado paterno

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Minha filhinha ficou uns dias comigo. Várias vezes conversamos sério. Ela é madura. Sabe tudo sobre a vida e a morte. Sabe sobre posses e bens. Sabe a diferença entre pobreza e riqueza. Sabe que estou doente. Sabe que vou deixá-la.

Nina se refugia dentro de mim. Dorme segurando meu dedo do pé. Desde que nasceu, criei-a num ambiente de muito amor, muito carinho e muito afeto.

A destruição era um scripit provável. Nina foi forjada no meio de uma tempestade. Aprendeu a sofrer e a incorporar a dor. Só quem a conhece e só para quem ela se abre – totalmente – é para mim. O resto é dissimulação.

Pois no sábado a noite, conversando com ela, perguntei que herança ela herdaria de mim, qual era o saldo de tudo.

Prontamente, na ponta da língua, Nina me veio com uma resposta surpreendente.

– Vou herdar de ti o amor, pai.

– O amor verdadeiro.

Nina surpreendeu-me ao extremo. O amor é uma herança abstrata, inquantificável. Porém, surpreende-me que ela tenha esse juízo de mim.

Ontem ela se foi. Seguiu seu destino, sem o pai, longe do pai. Nós que formamos a mais perfeita e simétrica relação de amor paterno, fomos condenados a vivermos separados em vida. Mas a herança que ela assumiu que herdará de mim é chocante.

Ela me disse que no Paraíso a gente poderá viver como pai e filha, juntos para a eternidade. Bobagem ou não, é um sonho que alimenta nossas almas, para não chorar, para conter as lágrimas. A fantasia, a arte para fugir da realidade.

Quando ela partiu, fiquei pensando em suas palavras, nunca tinha ouvido um filho dizer que herdaria do pai um valor assim tão subjetivo.

Deitei-me, olhei suas bonequinhas, seus brinquedinhos, sua caminha, suas roupas. Já interiorizei a morte de nossa relação me vida, já interiorizei a força de belzebu … Mas nem todas as forças de destruição e da maldade foram capazes de matar o alicerce mais bem fincado em nossos corações: o amor.

Percebi, então, que nada foi em vão, que pessoas boas tem gratidão em suas almas, minha filhinha é apenas uma vítima.

Deitei-me, ontem, pronto para tudo. Se Deus me levasse, porque vai me levar de um momento para outro, mas a certeza ficou, ficou uma semente, uma semente rara, não ficarão campos, gados, casas, terrenos, mas ficará o mais subjetivo dos juízos, o amor.

Assim, encerro está breve crônica. Uma crônica de um pai que deixou o amor como legado de uma herança paterna.

 

 

 

 

 

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