CONFISSÕES INTIMISTAS DE UM JORNALISTA

Minhas despedidas de advogado e meu recomeço de escritor, escrevendo o que nunca escrevi. Sobre 3 novos livros, prontos e inacabados. Escrevo direto e sem revisão, porque vivo sozinho e estou muito afetado pela retinopatia diabética.

 

O começo

Eu era muito menino ainda, devia ter 13 para 14 anos, quando conheci um senhor muito pobre, vendia jogo do bicho e era motorista da Cooperativa Rural. Ele devia ter uns 50 anos ou mais ou menos.

Ele me chamava pelo nome e me convidava para jantar na casa dele. Ficamos amigos e logo começamos a viver juntos as pescarias e longas viagens para barragem Sanchuri, entre Itaqui e Uruguaiana.

Com 14 anos, fui contratado para trabalhar na veterinária da cooperativa rural. Era tudo muito estranho para mim.

Meu pai nunca falou comigo, nunca quis conversar comigo e nunca entendi as razões daquela distância e de um certo ódio que ele nutria por mim. Além de nunca falar comigo, quando falava era com a nítida intenção de me menosprezar. Tudo em mim era errado, até um dia que quis lhe mostar uma prova de história, em que tirei 10.0. Achei que receberia um abraço, uma saudação de felicidade e o que ganhei foi um xingão por ter ido bem em história. Meu pai achava que eu deveria ir bem em matemática.

Minha mãe, que assistia tudo, que notava o desprezo do meu pai por mim, passava falando mal dele para mim. Segundo ela, ele bebia, ía nos cabarés, jogava carpeta, em suma, notei desde tenra idade o quanto minha mãe odiava meu pai.

Éramos pobres, muito pobres, mas contraditoriamente, tanto meu pai quanto minha mãe, eram dotados de um avantajado intelecto. Desde criança, muito criança, minha mãe me contava as histórias do império romano, me falava de filósofos gregos, os quais não tinha a menor noção de quem se tratava. Minha mãe era cristã e tinha uma visão de Jesus Cristo muito próxima do que pensa hoje o pastor Caio Fábio, ela era a favor do amor, mas de um amor gratuito, minha mãe era contra vender as coisas da lavoura, ela dava tudo, inclusive os ovos das nossas galinhas. Aos poucos minha mãe foi me ensinando a desprezar o dinheiro, a andar somente com os mais pobres, com os negros, os açoitados e os mais humildes. Também me ensinou a amar as prostitutas, os gays e a respeitar todas as religiões.

Meu pai era uma pessoa estranha, embora o amasse muito desde criança, embora sempre tenha ficado claro a rejeição que ele tinha por mim. Homem pobre, miserável, meu pai escutava o programa a VOZ DO BRASIL, onde havia uma divisão das notícias do executivo, legislativo e judiciário. Meu pai sabia tudo sobre os ministros das altas cortes, sobre os ditadores e era um voraz simpático da ditadura militar. Quando brigava comigo, fazia apologia a tortura, era a favor de maltratar os presos e apoiava toda a repressão instituída no país pela ARENA. Foi essa violência explícita e essa defesa da ditadura que me afastou dele desde muito cedo.

Contando, quase ninguém acredita, mas meu pai morreu sem falar comigo. Eu sempre fui o objeto principal do seu desprezo e talvez o símbolo de tudo que ele mais odiasse.

Sempre foi muito estranho eu entender tudo isso.

Minha vida foi sempre muito solitária. Não tinha amigos, vivia sempre sozinho.

Com 14 anos, o falecido advogado Níssio Castiel me disse que arrumariam um emprego para mim na veterinária da cooperativa rural. Humilde, pobre, sem opções, aceitei ter carteira assinada aos 14 anos e ao mesmo tempo conhecer e conviver com o alto empresariado rural, criadores da ovelhas e de gado. Trabalhei ali até os 18 anos. Foi ali também que entendi como os patrões são odiosos e detestáveis.

Havia um dentista chamado Paulo Silva, que era maçom, sem saber como e nem porque ele muito amigo do meu amigo pobre que era motorista e vendedor de jogo do bicho. Logo, sem entender nada, ambos eram meus amigos, Paulo tratava meus dentes, tudo sempre sem me cobrar.

Logo, percebi que o médico Rubem Lang ficava horas conversando com o dentista Paulo Silva. Ficava cuidando a imaginando como tinham tanta conversa e tanto assunto.

Meu amigo pobre, segundo minha mãe me contou, era um homem muito bom, era muito rico, tinha até aviões, e foi minha mãe quem me me contou as histórias dele com o ex-presidente João Goulart, troca de aviões por fazendas, baratinhas cabriolets…

No fundo, descubro que Elesbão Mamedes Vargas Chagas, afora ser um doce de pessoa, era um aventureiro raro, desses que a gente só vê em filmes. E também pouco se importava para o dinheiro, enquanto tinha ía gastando, namorando mulheres da alta elite paulista, frequentador dos altos bordéis de capitais, e sempre cercado de amigos, gastando e gastando e gastando. Até que ficou pobre. Muito pobre.

 

Passam-se os anos.

Lembro-me como se fosse hoje quando apareceu uma espinha no seu lábio superior. Espremida, nasceu um câncer e, em breve, levou sua vida. Visitei-os no hospital de clínicas pouco antes de falecer. Ele me perguntou como eu tava me achando com o Bisol?

Explico-lhe que estava tudo bem, mas sempre mais confuso do que certo de tudo o que acontecia ao meu redor. Na verdade, sonhei que ELESBÃO me contasse o que ele sabia que eu não sabia sobre mim próprio. Foi tudo infrutífero.

Foi Elesbão quem me contou que o ex-presidente Jango teve uma paixão em Santiago e fortemente inclinado a casar-se com ela: a Dra. Eleonora Lang, filha do médico e ex-prefeito de Santiago, Rubem Lang. Jango gostava da Maria Teresa, em São Borja e da Eleonora em Santiago. Elesbão me contava os detalhes sobre as mulheres. E foi aí que entrou os trechos do namoro do ex-presidente com a Maria Teresa, embora com a Eleonora, Jango tivesse uma inclinação política muito forte pelo peso do pai, o médico santiaguense Rubem Lang.

Elesbão era muito meu amigo, um ser humano raro, mas foi a pessoa que mais confundiu minha cabeça até hoje.

Eu era um menino pobre, insignificante, filho de um guarda noturno, quando o dentista Paulo Silva me chamou na sala de sua casa. Paulo era um líder macônico muito influente, era o maior confidente de Rubem Lang e influenciava a ala esquerda da cooperativa rural, com Níssio Castiel, Valentin Cardoso da Silva, Rubem Lang e pelas bordas íam empregando os deles. Mas eu não era deles, meu pai era um miserável guarda e ainda defendor da ditadura. Pelo sim, pelo não, coloquei uma camisa nova e foi até a reunião com o dentista maçom Paulo Silva. Noto que na frente do seu consultório estava uma comioneta FORD, cabine simples, vermelha e branca, do médico Rubem Lang. Bato na porta, Paulinho mesmo me recebe e para minha surpresa estavam na sala Níssio Castiel e Rubem Lang. Níssio Castiel estava respondendo como diretor comercial da cooperativa rural, mas não fala nada. Quem comandava as conversas era o próprio dentista Paulo Silva. Era simples. Eles me empregariam na veterinária, eu ganharia um salário mínimo, teria carteira assinada e poderia seguir estudando a noite, pois quando eu concluisse o clássico ou científico (equivalente ao ensino médio de hoje) eles veriam onde me colocariam.

É claro que eu fiquei feliz, mas sem entender nada, afinal eu sabia quem eu era, quem era meu pai, quem era minha mãe e todo aquele cerimonial era totalmente incompatível com minha miséria e minha pobreza, ademais, tudo contraditório, com minha origem, exceto que o próprio dentista Paulo Silva levou-me para dentro do Partidão e da biblioteca do Partido Comunista. Eu era tratado como um filho por todos eles, seu Aparício Gomes da Silveira e Jeferson Gomes da Silveira. Seu Aparício emprestava-me os livros de Jorge Amado, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos. Dostoiewiski, Tolstoy, Mann e antes de eu lê-los, ele me explicava tudo como detalhes, situando época, fatos, contexto … Foi na chácara do seu Jeferson que eu conheci seu Adelmo Genro, pai do Tarso e avô da Luciana.

Mas no meio da história, eu tinha um senhor que era oposição a tudo isso, mas que me queria muito bem, me criou dentro da casa dele, me levava para a chácara dele com seus filhos mais velhos Marco Aurélio e Suzana. Era o Dr. Valdir Amaral Pinto.

Quase impossível contar isso, não fosse ele vivo. Eu ficava ouvindo suas histórias com a Dona Cleusa e gravava tudo ( na minha mente, leia-se bem). Lembro-me que um dia ele contava a ela que o Antônio Carlos Machado lhe havia doado toda a sua biblioteca, que ficava no sótão da casa da tia Maria, em Florida. Aliás, foi lá na casa da tia Maria, esposa do saudoso tio Aristóteles Amaral Pinto, que tu tive contato com os livros que hoje integram a Biblioteca do Dr. Valdir. Como gratidão pelo presente, o Dr. Valdir conversava com Dona Cleusa, “eu acho que vou comprar uma Veraneio, equipar bem e dar de presente para ele”. O Marco Aurélio sempre foi envolvido com os livrinhos e revistas, sempre foi um leitor, era uma doce de pessoa, incapaz de comer um pão sem dividir com alguém; e a Suzana era uma criança tão dócil, tão meiga, tão amável que meu coração palpitava forte por ela. Éramos tão amigos que um dia ela me perguntou o que era “camanga”. Imaginem eu ter que explicar para tão fina menina o que era uma camanga, expressão muito usual em nossa época para definir mulheres fáceis, que vão com qualquer um.

Dias atrás, o desembargador Caum me perguntou se eu conhecia o Dr. Valdir Amaral Pinto e se eu conhecia a filha dele, a Suzana. Respondi que sim, mas como explicar o que ninguém entende, eu era criado pelo partido comunista, tinha uma vida com os comunistas, e vivia dentro da casa do Dr. VALDIR, que era um ícone da direita?

Só que nunca, nunca, nunca, o Dr. Valdir me perguntou uma linha sobre política, embora ele soubesse de minhas amizades, mas no fundo ele também era estranho, lembro-me que o Tarso quando vinha a Santiago, antes de qualquer coisa ía beijar a mão do dr. Valdir e o Olívio também era muito chegado nele. Vá entender, nessa época de conflitos aguçados, a extensão dessas amizades além das ideologias!

Retomando minha amizade com Elesbão Mamedes Vargas Chagas.

Um dia, conversando com o Guilherme Bonotto, quando ainda conversava com ele, perguntou-me com ar de espanto se eu tinha convivido com Elesbão?

Elesbão era neto do maior estanceiro gaúcho, mas quando o conheci ele já era pobre, tinha feito muita festa e torrado milhões com a mesma facilidade com que ganhou sua enorme fortuna.

Uma tarde saímos de Santiago, numa velha kombi verde e branca para comprar peixes na barragem Sanchuri. Eu adorei pescar tantos peixes e estava adorando tudo. Até que Elesbão, sentado num bar na beira da barragem, pede para conversar comigo. Eu devia ter 14 para 15 anos, isso é certo, era o ano de 1974. Ele me diz que me levaria um luxuoso cabaré em Itaqui, mas frisa que era algo que eu nunca tinha visto. E diz-me que tinha uma mulher que gostaria de me conhecer. Achei graça e logo pensei que Elesbão era um contador de anedotas.

Pensei numa guria de minha idade e soube que esse luxuoso cabaré fora comprado num negócio meio misterioso envolvendo o ex-Presidente Getúlio e o ex-presidente Jango. Mas isso, a época, pareceu-me irrelevante. E voltamos para Itaqui.

Chegando na casa, fico impressionado com a suntuosidade. Eram dois andares, mas com um salão, no meio que contemplava ambos os andares. Tudo era muito lindo, lembro-me que a cor vermelha impressionava. Realmente, era algo luxuoso demais.

Elesbão fora recebido com festa, saudações, alegria total, parecia velho conhecido. E de fato, o era.

No meio da recepção, eu fico apático, quieto, era apenas um guri.

Nisso, Elesbão pergunta pela ( e pronuncia o nome de uma mulher). E emenda: – diz para ela que eu trouxe o Júlio.

Opa, como assim, como essa mulher sabia quem era o Júlio?

Logo ela desceu do segundo andar. Era uma loira linda, olhos verdes, uma mulher já com uma certa idade, mas muito linda.

Ela me abraça com uma ternura sem precedentes. Pede para eu subir com ela. Era uma suíte de mármore, havia uma sala, cozinha e um quarto. Ela me abraça várias vezes, sentamos e conversamos por longas horas. Ela sabia tudo de minha vida, de minha mãe, das terras do meu avô no Alto Uruguai, em Três Passos, eu estava sem entender nada, nada de nada. Discreto diante da educada senhora, não quis perguntar nada, apenas ouvia-a e repondia as questões que sabia, outras tantas eu não tinha a menor ideia. Ela conhecia bem a família do Jango e sabia tudo em detalhes, conhecia demais o Elesbão e até nosso pessoal aqui de Santiago. Mostra-me vários albuns de fotos.

Nós havíamos saído cedo de Santiago, numa kombi velha, estrada de chão, e eu estava cansado, muito cansado. Fizemos um lanche, tomo uma garrafa de grapete, e ela diz que eu posso dormir ali na cama dela, era uma cama de casal.

Eu me lembro, devia ser madrugada, que ela me tapou, me beijou na cabeça e dormiu ao meu lado. Eu sempre fui muito feminino e me senti tão bem dormindo ao lado dela, é claro, sem nada de sexo, nem de longe.

Voltando a Itaqui, no outro dia cedo, Elesbão me chama muito cedo. Estranhamente, ela não estava no quarto, certamente não quis se despedir de mim, nunca saberei.

Passadas décadas, tendo audiência em Itaqui, viajo um dia antes e começo a vasculhar pela casa. Depois de um dia procurando,  creio que encontrei a casa, sem certeza absoluta, mas muito parecida com a casa onde estive … escombros e escombros, curiosamente, quase ao lado do ministério público, sem ser na mesma rua.  Eu tinha adorado essa promotora Thaís e também a promotora Melissa, coisa rara, hoje tudo mudou comigo e o ministério público, mas essas deixaram-me marcas tão positivas e tão boas. Elas entendiam a minha dor e meu amor pela Nina. Tudo foi em vão, a conjunção de forças dos beluínos com os belzebus foram maiores que eu.

Mas a gratidão sempre ficou gravada em minha alma, assim como a única pessoa que acertou sobre uma figura que apareceu em nossa região, fingindo ser amigo, mas era o maior inimigo que eu tinha, levei anos para descobrir isso, embora o Dr. Valdir foi o sábio que sempre antecipou tudo.

Avant

Itaqui e Elesbão foram lacunas que ficaram em minha vida. Como várias lacunas sem respostas até hoje palpitam sobre meu ser.

Passados anos, desde aquele encontro ali na casa do dentista maçom Paulo Silva, tendo eu concluído o ensino médio, o médico Rubem Lang me chama para uma conversa.

Me dá uma carta de punho em duas folhas azuis de receituário e pede para eu entregar aquela carta para o desembargador e deputado José Paulo Bisol, que eu teria que seguir meus estudos e que já estava tudo acertado entre ele e o deputado. Sinceramente, eu acho que foi uma indicação do PMDB de Santiago, embora eu fosse filiado ao PT. Não sei se não era coisa apenas da cabeça do Dr. Lang?

O certo é que foi muito bem recebido no gabinete do José Paulo Bisol. Com as vagas preenchidas, entrei pela produção da RBS TV Mulher.

Eu vou terminar essa pequena história noutros capítulos, até porque vou me dedicar a terminar 3 livros, ambos já começados, um sobre Cândido Godoy, pesquisa que eu faço há décadas, outro, sobre os bucheiros, que será um romance épico sobre o consumo de carne no sul do Brasil nas décadas de 60 e 70,  e um terceiro sobre o poder judiciário no Brasil, leitura que falta no Brasil, pois as produções são toscas, primárias e puramente ideologizadas e eu soube sentir e pescar essa carência.  Sei que eu sei produzir merdas e tenho fineza e produzir pureza, quando quero e dependendo de quem desejo homenagear ou eternizar, como dizia o Chicão sobre um Livro.

Eu tinha uma amiga, a Renatinha, que me pediu uma cópia desse livro sobre os bucheiros, na época, compactei os pedaços para enviá-los, embora só quem os tenha lido e revisados fosse minha sobrinha, em São Paulo. Nesse ínterim, nunca soube o que houve, Renata sumiu, bloqueou-me no face, e ficou tudo assim. Sei como as conversas são desgraçadas e sei como a edição do não contraditório por uma pessoa geram essas desavenças. Mas pouco me importo com quem vai, por isso me importo em fazer quando posso fazer. Muitas pessoas vão e nunca mais haverá espaço para voltarem. Muitas vão quietas, depois, como poeira cósmica, voltam. Mas o caminho para a volta sempre ficou aberto. Outras, a gente descobre a extensão da puerilidade e das traições. Com essas, restará a inimizadade eterna, pois meu lado islâmico é muito forte, embora eu seja um certo cristão. Relativamente cristão.

Eu soube usar bem um Delgatti e puxei tudo o que me interessava de todos, e ninguém sonha tudo o que tive acesso. Portanto, não se façam de santinhos diante de mim, pois tudo o que eu evito é fazer injustiças com uma pessoa, mas soube usar os recursos telemáticos que me propiciaram em saber o que eu desejava saber; e o que eu soube é tão espantoso quanto assombroso, considerando que eu sou uma pessoa tão pobre e tão insignificante. Não merecia tudo isso, mas em tendo acontecido e não tendo retorno de nada do que foi, agora não estranhem os mergulhos estranhos e arquem com as consequências, todas e todos.

 

 

Jornalista Júlio César de Lima Prates,

Registro Nacional no Ministério do Trabalho noº 11.175.

Registro Internacional no Ministério da Cultura, ISBN,  nº 908225.

 

 

Do Estado e as ideologias

Sei que existe um profundo questionamento acerca de minhas posições político-ideológicas, e essas afloraram após a análise que fiz envolvendo o campo oposicionista de Santiago, minha cidade natal.

Vou fazer uma abordagem por etapas:

1 – Sobre o Estado e minha posição ideológica.

Quando estudante de sociologia, logo percebi que também deveria cursar DIREITO, especialmente para entender o Estado, as teorias dos poderes, bem como o arcabouço constitucional. Na sociologia, falávamos em Estado, mas com profundas lacunas. Os sociólogos não dominam nada sobre o aparato do Estado e seus poderes. 

Aos 27 anos, dei uma de autodidata. Foi quando eu percebi (tardiamente) que a universidade bitolava o aluno e – por conta – joguei-me numa busca para entender os campos paradigmáticos das ciências sociais e humanas. Era impossível compreender o Direito, sem entender suas vertentes epistemológicas, o positivismo kelseniano, o jusnaturalimo e a teoria dialética do direito. Como entender economia, sem ler os clássicos do neoliberalismo, Friedrich Hayek, Von Wiesse (o Leopold e o Ludwig), em tempo, conhecia tudo sobre a social democracia europeia, socialismo, 2ª, 3ª e 4ª internacional. É claro, Trotsky e Stalin, Smith e a fantástica obra A RIQUEZA DAS NAÇÕES, e François de Quesnay e seu Tableu Economique (li o original em Francês, em 1984).

Em suma, eu precisava entender os paradigmas das ciências sociais, da antropologia, da filosofia, da ciência política e um domínio ía me levando a outros. Por exemplo, quando cheguei na Antropologia, já conhecia Althusser e Marx, mas desconhecia Saussure e Pechet. Desconhecia a arqueologia das construções discursivas. Estava encantado, uma coisa me leva a outra. Exatamente, dos 27 aos 42 anos, fiz a melhor faculdade do mundo, mas para fazê-la precisei me afastar das viseiras da universidade tradicional. Estudei todos estes anos por conta, por isso digo que sou um pouco parecido com esses malucos que estudam por conta. Faço este exemplo, porque sou parecido com os  abandonam os estudos. Embora eu tenha cursado 2 faculdades, só consegui realizar meu sonho em busca do saber e do conhecimento, absolutamente andando por caminhos próprios, embora com um método bem delineado, a Dialética.

Ao longo da minha vida, são poucos os clássicos da literatura que não li e são poucos os paradigmas das ciências sociais e humanas que eu não domino.

Com a Dialética, com Harold Bloom (achei fantástico a junção da Dialética com a Cabala Judaica), entendo bem o Direito e o Estado, e, tendo estudado tanto o neoliberalismo, quanto a social-democracia e o socialismo, com as variâncias da revolução russa e chinesa, francesa, cubana, em especiais.

Passei por cinco faculdades para completar meu curso de Direito,  e, sociologia, só conclui as cadeiras do bacharelado, após minha expulsão da universidade do Vale do Rio do Sinos, via EAD; fiz um pós em letras, outro em sociologia rural.

O que me afastou da esquerda, basicamente, foi compreender o Estado tentacular, algo que sempre me pareceu incompatível com a liberdade. Quanto ao Estado, não acredito em fórmulas prontas, nem de um lado, nem de outro. Acredito que cada caso é um caso a ser construído, assim como os limites da intervenção e/ou da não intervenção.

2 – Não demorou muito tempo para eu perceber o controle que as corporações exerciam sobre o Estado, praticamente dominando tudo e fazendo a sociedade refém. Vi isso na constituinte de 1988, vi isso na constituinte estadual de 1989. A sociedade civil no Brasil é um blefe. As forças armadas, embora influentes, representam também o corporativismo. Somos uma sociedade dominada pelas corporações de servidores públicos, salvo raríssimas exceções de pessoas que se dispõem a empreenderem e os eternos trabalhadores.

3 – A esquerda apropriou-se do discurso e da defesa dos interesses corporativos. Não fala para a sociedade, fala para as corporações. Ou manipula os interesses dos trabalhadores da iniciativa privada. Em qualquer hipótese, uma lástima.

O curioso é que todos falam em nome da sociedade.

4 – Sou ideológico, mas quem mão é?

Volta e meio surgem as críticas de que faço um jornalismo e que minhas posições jurídicas são  ideológicas. Como fui acusado de ser ideológico, ao defender minha posição, lembro-me que, em 1985, escrevi um artigo no jornal Zero Hora, onde repliquei monsenhor Dalvit, que acusava o clero progressista de ser “ideológico”. A impressão que fiquei é que o Monsenhor não sabia o que era “ideologia”, do contrário, não pronunciaria tal disparate.

É claro que se os detratores que nos chamam de “ideológicos” se forem ler o livro “O que é Ideologia” da professora Marilena Chauí, vão ficar mais confusos ainda, afinal ela usa apenas uma visão de interpretação. O termo foi criado em l801, por Destut de Tracy para designar a análise das sensações das idéias, segundo o Método de Condillac. Isso aprendi com Abbagnano.

Aliás, o mesmo Abbagnano é quem, com melhor precisão, retoma o debate sobre os ideologistas franceses, que eram hostis a Napoleão, recebiam também a pecha. Os bonapartistas, de forma depreciativa, como os detratores locais, acusam seus opositores de “ideologistas” (PICAVET, Les idéoloques, Paris, 1891).

Porém, Antônio Gramsci, também teórico italiano, fez ao meu ver a melhor abordagem sobre o termo polisêmico e afirmou que todas as manifestações intelectuais, produzidas de forma individual ou coletiva, na arte, na literatura, na pintura, na dança e na música, eram manifestações ideológicas (Concepção Dialética da História). Claro fica, portanto, para Gramsci, que ideologia era afeta a uma visão integral de mundo e independia desta ser produzida pelas classes dominantes ou dominadas, visto que ideologia seria mesmo uma manifestação de ideias. Essa visão gramsciana, contudo, choca-se com os ideais do jovem Marx, de 26 anos, retomadas por Chauí, mas que mesmo assim afirma ser um “contrasenso falar em ideologia das classes dominadas visto que ideologia pressupõe dominação” (O que é ideologia).

Ou alguém acha mesmo, de sã consciência, que defender o desenvolvimentismo nas asas do neoliberalismo econômico mundial, não é uma posição ideológica? A posição é tão ideológica quanto a minha. Ao defenderem um modo de produção assentada na exploração das pessoas, ao defenderem a propriedade apenas as família tradicionais, também, também, estão defendendo uma posição vivamente ideológica.


O que nos difere é que eu sei que sou ideológico, sei o que é ideologia e não vejo nenhum mal nisso, pelo contrário, tenho lucidez para participar de um debate social sem medo de achar que sou diferente dos outros. O que fico perplexo é que esses outros, não sabem o que dizem, pois defendem posições tão ideológicas quanto as minhas. Tudo é ideológico, até quem se diz não ideológico

Minha constatação, nas ciências sociais e humanas, é que não existe neutralidade, todas as posições são ideológicas. O problema reside é em não saberem o conceito de ideologia.

“O homem de Morin, Plantu e Houellebecq é esse ser que sabe, aprende, ensina, produz, fabrica, inventa, joga, brinca e comete loucuras desmesuradas”.

*Júlio Prates

Houve uma época em minha vida em que eu vivia ligada a todos os movimentos culturais da França, em especial, na sociologia, antropologia e filosofia. Com o passar dos anos, mudei.

Entretanto, por acaso, nem certo sábado, acessei ao Jornal Correio do Povo e tive atenção presa ao Caderno de Sábado. É claro, com um gênio como Juremir Machado por trás do Grupo, o sucesso é sempre garantido.

A entrevista com Edgar Morin é algo espetacular, uma ponderação, um equilíbrio, uma sabedoria… há muitos anos não é uma matéria tão bem produzida e nem uma riqueza de um conhecimento exposto com tanta clareza e escorreiticidade. Morin é apontado como um dos maiores pensadores de nossa época, aos 94 anos, ainda em plena atividade. Recomendo sua leitura.

Mas vale essa reflexão do próprio Juremir, ao comentar Morin, o filósofo, que também é formado em Direito, Plantu, o cartunista e Houellebecq, o escritor. Senão vejamos:

“O homem de Morin, Plantu e Houellebecq é esse ser que sabe, aprende, ensina, produz, fabrica, inventa, joga, brinca e comete loucuras desmesuradas”.

Outro dia, madrugada adentro, eu conversava com minha querida companheira KA e contava-lhe aspectos da vida do próprio Juremir, do seu Doutorado em Paris, as divergências com Luiz Fernando Veríssimo sobre Érico Veríssimo, a saída do grupo RBS, o Marcelo Rech, a FAMECOS, e, finalmente, Correio do Povo. Juremir Machado é um dos nossos grandes sábios, tem uma erudição fantástica, tem o dom da comunicação escrita, é um intelectual sério, certamente o nome mais influente do nosso Estado na atualidade. Não sem razão, esse Caderno que trás sua assinatura é uma rara leitura de boa qualidade.

Fiquei feliz por Morin, de quem já li muito coisa na faculdade de Sociologia, e, mesmo depois, nos debates do Fórum Social Mundial e mesmo por curiosidade pura. Porém, confesso que com o tempo fui abandonando os franceses decepcionados com a própria França e a boçalidade de sua sociedade. Nesse final de semana, reencontrei-me um pouco, gostei tanto de reler o Juremir e saborear toda a sabedoria de Morin, que, não sem razão, é judeu sefardita, que é  o termo usado para referir aos judeus descendentes portugueses e espanhóis .

E não venham os moralistas de plantão dizer que a loucura e a razão não estão incorporadas em nossas vidas, apesar dos mimetismos racionalistas. Eu me permito.

*Autor de 6 livros, jornalista nacional com registro no MtB nº 11.175, Registro Internacional nº 908 225, Sociólogo e Advogado inscrito na SA OABRS sob nº 9980.