Ratos, moscas, baratas e o nuclear

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Hoje, perto das 5 horas da manhã, fiquei assistindo o professor Freitas, numa brilhante palestra no CPFL, sobre Hannah Arendt e a capacidade de julgar.

Eu sou filho de duas gerações bem distintas. Antes da internet e pós o advento das redes sociais, uma palestra sobre Hannah Arendt deveria ser objeto de procura específica e muito difícil de se encontar. O Rio Grande do Sul sempre foi periferia. O epicentro dos grandes debates filosóficos, sociológicos, psicanáliticos e afins estavam todos concentrados em São Paulo. Várias vezes, eu, Moacir Leão e Alexandre Caburé, éramos obrigados a pegar um avião de Porto Alegre a São Paulo para assistirmos uma boa palestra em São Paulo.
Sei que nos dias atuais é difícil até de alguém entender o eixo dessa busca. Mas já contei, em artigo, aqui mesmo no blog, o esforço que eu fiz para  assistir a palestra de Bárbara Freitag, no Instituto Goethe sobre multidisciplinaridade. Foi a palestra  que apassentou minha alma e me deu as luzes para um caminho sem volta, pois instintivamente eu entendia que a pluralidade de saberes eram uma necessidade e não conseguia me moldar na concepção altamente restritiva e cheia de viseiras dos PPGs.
Por outro lado, o Youtube  no Brasil só foi lançado e, 2007, no início, cheio de preconceitos acadêmicos. A massificação dos saberes, ainda assim de forma muito restrita. surge mesmo a partir de 2010, 2011 e 2012. Em Santiago, até hoje não tomou corpo essa ampliação mais ampla de saberes e conhecimentos. Ela é restrita e os raros detentores de saberes e conhecimentos não os repassam e nem os massificam, embora tenhamos pessoas da grandeza intelectual de um Froilam Oliveira, que é uma cabeça aberta ao novo e muito sério na busca dos saberes.
Lembro-me como se fosse hoje. Era o ano de 1997 e o Froilam correu até mim. O conhecia muito superficialmente.  Mas ele queria me contar que houvera lido um artigo meu sobre Nietzsche e desceu umas duas quadras conversando comigo sobre o filósofo alemão. Hoje, em plena era da telemática, noto que o João Lemes vem ocupando um espaço importante, com conhecimentos adquiridos a partir do PPG onde estudou na UFSM. Mas é tudo muito restrito ainda. A universidade não prima por essa qualificação e nem os EADs, entidades classistas e sindicais são precárias, e a obtusidade de formação por área, cada vez incita mais a limitação. Noto o nosso pessoal que estuda História, por exemplo, eles vão ficando limitados a própria história, e o raciocínio não é diferente para economistas,  administradores. advogados, filósofos, professores, médicos … até hoje não sei o que pensa a imprensa de Santiago. Friso, por oportuno, que descobri em décadas atrás um pensamento vivo muito rico centrado em Tacely Júnior e Marcelo Duarte, com debates e grupos de reflexões bem aprofundadas, especialmente no campo de ciência política e filosofia.
Hoje eu me conformei com a mediocridade acadêmica e intelectual. Nem minha filha pude ensiná-la algo. O Felipe Neto e o tik tok soam a modernidade mais acessível e Nina me acha quadrado e ultrapassado.
O político local que sabia valorizar os saberes e os conhecimetos foi disparamente Chicão, afora ser um curioso e ávido por leituras, assim como pelo vinho, Chicão era um diferencial marcante. Lia e estudava quieto, mas gostava de conversar comigo. Lembro-me o último livro que ele me emprestou e foi cheio de recomendações. Era José Ingenieros, O Homem Medíocre, um pensador raro alertando acerca do nivelamento moral e um abordagem muito pertinente sobre a ignorância, traição e fraude.
Lembro-me com exatidão as anotações a lápis de Chicão: essas com duas linhas são da Heloísa e com uma linha são as minhas. Lê bem e depois vamos conversar. 
Dias atrás eu contei para a Raquel a saga desse livro. Ela sempre fica com aquele olhar profundo e misterioso, como se estivesse vendo o passado.
Durante muitos anos eu sonhei com a criação de um grupo polímata, mas os ratos sempre foram mais eficientes. É da natureza. E dizer que Dyonélio Machado produziu OS RATOS em 1935, atendendo um pedido de Érico Veríssimo.
Hoje os containeres de lixo doméstico nas esquinas de Santiago juntam ratos, baratas,  moscas e mosquitos. Infelizmente, a houve a proliferação. E quando o mundo volta e se preocupar com ameças de guerras nucleares, a Europa florescente entra em colápso energético com o corte do gás russo, e cresce a busca pelo domínio de novas armas nucleares, sinto que mergulhamos num abismo muito profundo. O nuclear ainda nem chegou, mas revivemos a crise dos mísseis e cada lançamento da Coréia sobre o Japão, mesmo que seja só exibicionismo, acende uma luz de uma nova era: estamos adentrando no pós-nuclear, sem lembranças de Hirohima e Nagasaki.
Todos caem no canto fácil da OTAN e poucos notaram o mergulho atual do mundo pós-moderno no abismo, que, nesse momento, eu digo que é sem voltas. Posso mudar de ideias, posso, até posso, mas o cenário é complexo.
 Estamos num mergulho muito profundo e complexo. Pena que poucos perceberam a extensão dessa gravidade.
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