Senador Flávio Bolsonaro e a questão processual, jurídico-constitucional, o Direito entre o clamor midiático global e a lógica de quem perde ganhando

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Cerca de 15 anos atrás, quando publiquei o livro A LINGUAGEM JURÍDICA NA IMPRENSA ESCRITA, minha intenção era apontar as impropriedades gritantes da construção de uma narrativa, por um jornalista, sem formação jurídica.

Passadas quase duas décadas, o problema persiste e se agrava.

Cada vez mais enxutas, as redações são também são cada vez mais desqualificadas. Nem falo da linguagem jurídica, falta formação polímata mesmo.

Saudades dos tempos em que um staff jurássico, assegurava qualidade e riqueza para os leitores, assinantes e ao público em geral.

Cansei e vi meu sonho naufragar. A segmentalização – hoje – soa absurdo. A generalização avança, e com baixíssima qualidade.

A imprensa vive uma crise, sem precedentes no Brasil, bem mesmo antes do advento do coronavírus.

O assunto que vou abordar não é conexo. Mas é opinativo. E o foro por prerrogativa de função do senador Flávio Bolsonaro?

Bem, antes de mais nada, é uma graça o que se vê hoje. Manipulações na construção discursiva é o que mais aflora, com a imprensa tentando pautar as decisões judiciais, especialmente nos no eixo Rio-São Paulo.

No caso do senador Flávio Bolsonaro já se criou um terrível consenso e já escolheram o fórum competente para o seu caso.

Senão vejamos:

1 – Flávio era deputado estadual e tinha foro privilegiado. A competência era do TJ-RJ. Até aí todos concordam. (Aberração mesmo, corrigida em tempo, eram os vereadores do Rio de Janeiro ter foro especial, próprio dos deputados estaduais. Um texto constitucional estadual vivamente inconstitucional e não recepcionado pela constituição federal).

2 – Flávio Bolsonaro deixou de ser deputado estadual, mas se elegeu senador da república. Será que ele perdeu o foro por prerrogativa de função?

3 – Ele deixou de ser deputado estadual, mas manteve as prerrogativas de foro, na medida em que conquistou o mandato de senador.

4 – Embora a torcida midiática ao contrário, é evidente que o foro por prerrogativa de função dele, não é competência do juízo “a quo”. O que será decidido é se os supostos crimes praticados no exercício do mandato de deputado estadual são competência do juízo “ad quem”. Ele não perdeu o foro privilegiado, apenas adquiriu um outro, com a eleição de senador (cujo foro competente é o STF).  A competência penal, nesse caso, será definida entre o TJ-RJ ou o próprio STF. Jamais um juízo “a quo” será competente, até porque ele não perdeu o foro por prerrogativa de função. Apenas ganhou um outro, na medida em que era deputado estadual e elegeu-se senador da república.

Custo a crer que o STF opte por deixar o caso dele no juízo “a quo”. Mas também não duvido. O clamor midiático é forte e pode até suprimir um instituto jurídico de fácil leitura e compreensão.

Cheguei até a ventilar a hipótese de o STF se declarar competente para o caso concreto. E isso não é descartado. Aí será a maior bola fora da defesa e a festa global. Não é preciso ser um analista do STF para prever a decisão nessa hipótese.

Ele tinha um, não perdeu, apenas ganhou outro, mais qualificado. Mas os detratores interpretam que ele perdeu, ao ganhar um mais qualificado.  Patética essa leitura e absurda essa narrativa, desprovida de ética jurídica. Se mais uma vez prevalecer o “senso popular” e o clamor midiático global, o Direito estará sacrificado mais uma vez em nosso país

Não estou discutindo se ele é culpado ou inocente. Estou analisando apenas a questão processual e jurídico-constitucional. E não há que se falar, nesse caso, em translatio iudicii.

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