*Júlio Prates
Por mais boa vontade que eu tenha, não consigo ver paralelos entre a Alemanha Nazista, a Constituição de Weimar, e a República Federativa do Brasil, ano 2020, e a nossa CRFB/88.
Primeiro, os fatos históricos, incluindo aí os antecedentes da condição imposta aos alemães pós-primeira guerra mundial (1914/18). Aí entram aspectos do tratado de Versalhes que impôs a Alemanha o pagamento de vultosas somas pecuniárias a título indenizatório aos países vencedores da guerra. Segundo, as consequências dessa dívida desequilibraram o país, com desemprego em massa, escalada inflacionária, aumento da dívida interna e externa. Some-se a isso, a Alemanha perdeu territórios para diversos países.
Data Venia, essas eram as condições objetivas que proporcionaram, ou pavimentaram as bases para a emergência da doutrina nacional socialista.
Contudo, estudar e entender a emergência dos nacionalismos da época, seja no fascismo, seja no nazismo, implica em entender que esses se assentavam nos movimentos de trabalhadores. Na Alemanha, Partido Nacional-socialista dos trabalhadores alemães, conhecida sigla: NSDAP. Terceiro, ademais, as bases ideológicas do pensamento de Adolf Hitler, expostas no seu livro “Minha Luta”, Mein Kampf, em alemão, afora os já conhecidos clichês, trazia um elemento “novo”, que era a defesa da superioridade racial dos alemães, fato que desembocou facilmente num nacionalismo totalitário sem precedentes.
Meu objetivo, nessa breve análise, não visa reconstituir aspectos pormenorizados das intentonas socialistas de esquerda, especialmente as de 19, 21 e 23, que geraram as crises políticas internas e acabaram por propiciar a emergência de uma proposta nacionalista, autocrática, assentada no campesinato e proletariado urbano. O choque de concepções entre o socialismo nacionalista e o internacionalismo marxista residia nos pressupostos teóricos de um e de outro lado, do nacionalismo com a defesa da supremacia da raça ariana em face do internacionalismo proletário (embora Stálin fosse fortemente antijudeu, Trotsky judeu e ambos protagonistas da Revolução Russa de 1917 que levou Lênin ao poder).
Aqui reside uma contradição fantástica, eis que ambos – nacionalistas racistas e internacionalistas marxistas – se assentavam nas mesmas bases de sustentação, dos campesinos aos trabalhadores urbanos.
Na faculdade de Sociologia, cursando as disciplinas de Histórias: Econômica, Social e Política Mundial, tive a oportunidade de dissecar as bases que propiciaram o surgimento do pensamento nacional socialista na Alemanha. É claro, existem aspectos que vão desde um misticismo ocultista, com requintes de paranormalidade, passando pela influência das obras do francês Arthur Gobineau, Jörg Lanz Von Liebenfels e de Guido List.
O somatório dessas influências, condições estruturais e conjunturais, passando pela desfiguração da constituição de Weimar, cuja crise é, também, resultante dos constantes atritos entre os socialistas, sociais-democratas e comunistas marxistas alemães.
É claro, embora o anticristianismo de Nietzsche e sua crítica à moral cristã-judaica, a anuncio da morte de Deus, é evidente que seu antissemitismo e suas formulações teóricas de um super-homem, que renegava o arrependimento e via na moral cristã e judaica um sinônimo de fraqueza, acabou – sim – influenciando aspectos do nazismo, mesmo que indiretamente, assim como a ópera wagneriana.
Sinteticamente, nesse breve artigo para o blog, sustento que todas estas condições objetivas, a saber, as imposições arbitradas à Alemanha após a primeira guerra mundial, a presença de uma forte unidade nacional, da defesa de supremacia racial ao elo com o misticismo, o somatório de todo o espectro nacionalista, dos campesinos aos trabalhadores urbanos, as crises de gabinete dos socialistas internacionalistas, criaram as bases subjetivas para a emergência de um pensamento ideológico que culminou no Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores da Alemanha e sua concepção expansionista, totalitária, anti-judaica e fortemente assentado em bases de supremacia ariana.
Os fatos históricos não podem ser transportados – mecanicamente- como fez o decano do nosso STF e como fazem os teóricos brasileiros, na atualidade, rotulando à direita atual como fascista e/ou nazista.
A realidade econômica, social e política atual só pode ser entendida, em sua plenitude, se contextualizada. Transportar mecanicamente os fatos históricos de mais um século (a Constituição de Weimar é de 1919) é algo, no mínimo, bizarro, para ficar nisso. Embora o positivismo jurídico brasileiro tenha um viés fortemente althusseriano, não cabem paralelos, afinal nem as bases epistemológicas da teoria dialética do Direito (que usa a dialética como Método) são compreendidas pelos campos epistêmicos dominantes, seja no jusnaturalismo, seja no positivismo. O resultado, embutido num palavreado cheio de desconexões, imperfeições teóricas e falhas graves, onde até metodologia é confundida com Método, não poderia ser diferente da criação de campos paradigmáticos absurdos, tal como comparar o Brasil de 2020 à Alemanha nazista. Isso é ignorar a História, os avanços científicos e tecnológicos, da robótica à telemática, a dimensão temporal dos fatos históricos e – finalmente – cabe compreender que os fatos históricos não podem ser transportados de forma crua e mecânica. Cada fato histórico, seja a revolução gloriosa inglesa, a revolução de independência dos 13 estados da América do norte, a revolução francesa, a revolução russa, a revolução chinesa, em suma, cada processo revolucionário obedece uma conjuntura econômica, social, política, histórica, bem como as singularidades de cada contexto e época.
Sintetizando, o bolsonarismo não é assentado em bases campesinas e nem de trabalhadores. Pelo contrário, se assenta no empresariado e no movimento evangélico, embora exista – sim – penetração nos segmentos mais pobres da sociedade brasileira, mas não tem base nos segmentos organizados, tal como a hegemonia gramsciana da esquerda nos movimentos sociais organizados. As condições econômicas da Alemanha dos anos 20 são totalmente diferentes do Brasil de 2020. O Brasil não veio de uma guerra mundial e nem existe espoliação direta de outros países sobre o nosso, nem perdemos territórios para outros países. Não existe no bolsonarismo o culto à supremacia branca e nem o desenvolvimento do antissemitismo, embora a terrível confusão de alguns quadros totalmente despreparados no governo Bolsonaro. Ademais, não existe culto místico, ocultista e nem a pugnação da cripto-história. O máximo é a influência maçônica, evangélica neopentecostal e católica carismática.
Mas a profissão de credos diferentes, comuns, não tem conexão ideológica com uma sistematização teórica, tal como havia no nazismo. Nem os evangélicos, nem os espíritas, com forte presença governamental, são racistas. Pelo contrário, pode-se falar o que quiserem de ambos, menos que sejam propugnadores de supremacia branca.
Até existe uma tentativa de identidade – embora fortemente empírica – do Brasil com Israel, o que denota a ausência de antissemitismo, embora ex-secretário Roberto Alvim citando Goebbels. Mas eu credito isso ao despreparo individual. Os evangélicos adoram Israel e até adotam símbolos judeus como seus, e quem não sabe da presença evangélica na comunidade afrodescendente?
Não vejo possibilidades de comparativos do Brasil de 2020 com a Alemanha de 1920/30/40…nem virando mecanicista e ressuscitando Louis Althusser e nem “repristinando” Marta Harnecker.
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*Jornalista, Registro MTb-RS 11.175. Editor do blog.