História de um médico tragado pelo Coronavírus

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FOLHA DE SÃO PAULO

Paulo Gonzales 

 60 anos

 médico

 Faleceu em 26.abr.2020

De Paulo Gonzales, contam-se muitas histórias. Em todas, ele surge como uma pessoa alegre, engraçada, amigo leal, de muitas risadas. O riso franco, aliás, é um traço notável nas fotografias.

E generoso, o que talvez o tenha levado a escolher a profissão de cuidar dos outros. Formou-se fora de sua São Paulo, na Faculdade de Medicina de Pouso Alegre (MG), em 1988. Tornou-se cirurgião geral.

“Se você procurar a palavra “generosidade” no dicionário, vai estar lá o retrato do Paulo”, afirma o irmão José Antonio, que o seguia na escadinha dos Gonzales, filhos de Nelson, dentista, e Alice, dona de casa formada professora.

De dois em dois anos vieram Maria Christina, Maria Inês, Nelson, Paulo e José Antonio. Nove anos depois, Maria Alice.

A família numerosa contava também vários primos, mais de 15, um dos quais, Fernando Gonsales, com “s”. O quadrinista relembra um episódio das férias na casa da avó em Itapetininga, interior de SP.

“Eu criava uma pulga de estimação. Ela ficava num vidrinho e, para ela não morrer de fome, de vez em quando eu abria a tampa e deixava ela me picar. O Paulo se interessou.” Um dia, conta, a pulga apareceu morta. No vidro, um estranho pozinho branco.

Paulo depois confessaria: “Coloquei Baygon para ver se funcionava mesmo”. “Espírito científico”, ri Gonsales.

Não dava para ficar bravo com as brincadeiras de Paulo. Como as piadas com o veganismo com que atiçava a sobrinha Denise. A ela, o tio fã de viagens deu a ideia de criar um hostel na casa onde a família viveu, na Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo.

Viajar era de fato sua paixão. Também tinha na pescaria um hobby. Juntou ambos em uma expedição de pesca à Amazônia, no ano passado, que planejava repetir em breve.

“Trabalhava feito doido para viajar”, lembra a irmã Maria Alice, que recorda em especial duas ocasiões.

Em 2014, seu filho Antonio foi com o tio Paulo e a avó Alice -que, aliás, só viajava se fosse com o filho médico- para Nova York. Experiência marcante para o menino de 13 anos, que, incentivado pelo tio, pegou táxi e metrô sozinho, e, com ele, treinou beisebol no parque tarde da noite.

Quatro anos depois, Paulo visitaria Inhotim com Maria Alice, dona Alice e Tomé, filho caçula da irmã. Na parada em Belo Horizonte, toparam com um parque de diversões.

“Em cinco minutos, estávamos todos numa roda-gigante. Nenhum outro irmão meu teria tido essa ideia!”

Na ocasião, o grupo se completava com Ana Paula, que foi sua namorada na faculdade e com quem, há alguns anos, retomou contato e a relação.

Foi ao lado da companheira que, após um plantão no Hospital Geral de São Mateus (zona leste de SP), Paulo sentiu os primeiros sintomas do vírus.

Monitorou a situação em casa enquanto pôde. A saturação muito baixa fez com que buscasse a internação. Após 13 dias intubado, em meio aos quais completou 60 anos, foi extubado na sexta (24). Depois, conversou por videoconferência com a filha, Rafaella, estudante de medicina que informava a família sobre o pai.

Um trombo, porém, mudou de rumo, e mudou o rumo de Paulo, que morreu no domingo (26). Deixa, além de Rafaella, Ana Paula, dona Alice e os 5 irmãos, 14 sobrinhos e 5 sobrinhos-netos. E saudades nos colegas de trabalho, que prometem continuar a lutar contra a doença que o levou.

(Francesca Angiolillo)

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