Análise Constitucional do mandado de busca e apreensão genérico e coletivo

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André Ribeiro Leite, Advogado

Resumo: Os direitos fundamentais não são absolutos, sendo possível a sua mitigação, nas formas expressamente previstas na Constituição Federal. No processo penal, a busca e apreensão são medidas institucionalizadas de violação destes mesmos direitos. Entretanto, deverão ser providenciadas dentro dos limites da Constituição Federal e legislação infraconstitucional.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Processo penal. Busca e apreensão. Fundamentação genérica.

Abstract: Fundamental rights are not absolute, it is possible to mitigation, in ways specifically provided in the Federal Constitution. In criminal proceedings, the search and seizure measures are institutionalized violations of these rights. However, they should be provided within the limits of the Constitution and infra-constitutional legislation.

Keywords: Direitos fundamentais. Processo penal. Busca e apreensão. Fundamentação genérica.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo se justifica diante de perniciosa prática das autoridades judiciárias e policiais brasileiras, no que tange à ordem, expedição e cumprimento dos mandados de busca e apreensão genéricos (coletivos, itinerantes) nas fases de inquérito policial, ou em ações penais, para a obtenção de meios de prova úteis à instrução do processo penal.

Justifica-se, ademais, pela necessidade de se apontar os motivos para expedição e para cumprimento destas mesmas medidas, as quais, infelizmente, apenas são realizadas em áreas periféricas dos grandes conglomerados urbanos.

Diante disto, serão analisados, na presente pesquisa, a definição da “busca e apreensão”, explicitando quais seriam os requisitos previstos em Lei para a efetivação da medida. Ademais, será trazido à discussão o conceito do mandado de busca e apreensão “genérico”, esclarecendo se, neste sentido, haveriam localidades específicas para a ordem e o seu consequente cumprimento.

Inicialmente, será apresentado o conceito acerca da busca e da apreensão, apontando suas finalidades frente à persecução penal, a sua instrumentalização e, ao final, será verificado se a ordem de busca e apreensão, e a sua efetivação pela polícia judiciária através de mandado genérico (coletivo) violariam os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, ou seja, se flagrantemente inconstitucionais.

2 A “BUSCA E APREENSÃO” E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A Constituição Federal, em seu art. 1º, III, expõe a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito brasileiro, o qual deve ser considerado como vértice do sistema dos direitos fundamentais, conforme explicitam Branco e Mendes (2013, p. 390).

Por conseguinte, os direitos fundamentais são parâmetros para a limitação dos poderes constituídos, fazendo com que toda atividade estatal se exponha à invalidade, em caso de desconsiderações (BRANCO; MENDES, p. 218).

A par disto, cumpre observar a importância quanto aos direitos à intimidade e à imagem, os quais engendram a proteção constitucional à vida privada, o que resguarda um espaço íntimo não transponível em decorrência de intromissões ilícitas externas, expressamente consagrada no art. 5º, XI da Constituição Federal (MORAES, 2011, p. 57). A vida privada relaciona-se com outros direitos fundamentais, como a vida íntima e a inviolabilidade do domicílio, que é o espaço onde se desenvolve a vida privada.

O direito à privacidade consiste num direito a ser deixado em paz, ou seja, na proteção de uma esfera autônoma da vida privada, na qual o indivíduo pode desenvolver a sua individualidade, inclusive e especialmente no sentido da garantia de um espaço para seu recolhimento e reflexão, sem que ele seja compelido a determinados comportamentos socialmente esperados (MARINONI; MITIDIERO; SARLET, 2012, p. 393).

No que tange ao princípio da inviolabilidade do domicílio, Silva (2005, p. 207) entende que o indivíduo tem direito fundamental a um lugar onde, apenas com sua família, goze de uma esfera jurídica privada e íntima, que deverá ser respeitada como sagrada manifestação da pessoa humana; a vida doméstica livre de intromissão alheia. Pode-se dizer que, a inviolabilidade é considerada como uma das mais antigas e importantes garantias individuais de uma sociedade, em que se pretende ser civilizada, pois abrange a tutela da intimidade, da vida privada, da honra, bem como a proteção individual e familiar do sossego e da tranquilidade.

Na Constituição Federal, a expressão “casa” é interpretada extensivamente, sendo considerado como todo e qualquer espaço físico o qual o indivíduo pode gozar de sua privacidade, da maneira que lhe aprouver. É, portanto, aquele espaço delimitado em que o sujeito ocupa com exclusividade, seja para fim residencial, seja para fim profissional (MARINONI; MITIDIERO; SARLET, 2012, p. 405).

Todavia, é importante salientar que os direitos fundamentais mencionados, entretanto, não são absolutos, podendo sofrer limitações em determinadas circunstâncias. Diante disto, vale explicitar as exceções ao direito fundamental da inviolabilidade do domicílio previstas no texto constitucional, a saber: a) flagrante delito ou desastre; b) prestação de socorro e; c) determinação judicial, desde que devidamente executada durante o dia.

No caso da limitação em decorrência de ordem da autoridade judiciária, tem-se como uma das suas possibilidades, a busca domiciliar, a qual se encontra em constante tensão, inclusive, com a dignidade da pessoa humana, intimidade, vida privada e a incolumidade física e moral do indivíduo.

Para Marques (2003, p. 373), trata-se de uma colheita acautelatória de provas, destinado a formar o corpo de delito, sendo que a supramencionada medida é de suma importância para a efetivação de providências tendentes a assegurar o êxito do inquérito policial. Pitombo (2005, p. 102), contudo, aprofunda a análise, preceituando a existência de distinção entre a busca e a apreensão. Enquanto a primeira seria um meio de obtenção da prova, que objetiva encontrar pessoas ou coisas, a segunda seria uma medida cautelar probatória, ou seja, destina-se à garantia da prova (trata-se de ato fim em relação à busca, que é ato meio).

Explicita a autora que, apesar da busca costumeiramente estar atrelada à apreensão, tratam-se de dois institutos distintos: o objetivo da busca é o de obter a prova mediante a localização de pessoas ou coisas; já o da apreensão, contudo, tem o escopo de garantir a prova ou a restituição do patrimônio.

A busca e a apreensão são, portanto, medidas coercitivas institucionalizadas (procedidas pelo próprio Estado) e que, naturalmente, violam direitos constitucionais, mas dentro dos próprios limites impostos pela própria Constituição Federal e legislação infraconstitucional. E por ferirem a liberdade individual do investigado (ou acusado), o emprego há de ser procedido com especial cuidado, devendo a autoridade violar o menos possível os direitos do indivíduo, no momento do cumprimento da diligência; nada além do necessário para alcançar os fins perseguidos na persecução penal.

Neste sentido, Pitombo (2005, p. 91) explicita que “[…] o direito fundamental apenas poderá sofrer diminuição dentro da estrita legalidade”. Continua a autora apontando que, para tanto, deverá a hipótese de restrição estar prevista, modelada, em lei ordinária, consoante a Constituição; necessita, ademais, possuir fins legítimos e justificativa socialmente relevante.

2.1 FINALIDADES E JUSTIFICATIVA PARA A REALIZAÇÃO DA BUSCA E APREENSÃO: AS FUNDADAS RAZÕES

Ressalte-se que a entrada em domicílio de terceiros, com vistas à investigação criminal, encontra limitações na Constituição Federal, no art. 5º, inciso IX. Sendo assim, a busca domiciliar, disposta no art. 240, § 1º do Código de Processo Penal, apenas poderá ocorrer quando judicialmente autorizada, ou seja, através de mandado judicial, caso o contrário, as provas nela adquiridas serão consideradas ilícitas.

Lopes Júnior (2012, p. 706-707) entende que a busca domiciliar tem por finalidade proceder com a prisão de indivíduos cuja prisão já fora previamente decretada. Prossegue o autor apontando que tal busca objetiva, ainda, a apreensão de coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos, armas e munições ou quaisquer outros instrumentos utilizados para a prática de crime ou destinados a fim delituoso.

Ressalte-se a expressão ambígua que autoriza a realização do ato, qual seja, as “fundadas razões”, oferece à autoridade judicial certa discricionariedade e subjetividade. Entende-se, contudo, que para o seu deferimento, deverão estar presentes a urgência e a necessidade, devidamente vinculados ao devido processo legal a que a busca subordina, não sendo suficiente a simples suspeita (ROSA, 2014, p.170).

Pitombo (2005, p. 128) aduz que:

A lei processual determina que se expeça mandado judicial para entrada em casa alheia, quando houver “fundadas razões”, para procurar pessoas, coisas ou objetos, que tenham relação com fato pesquisado. As “fundadas razões”, a que alude o Código, não se confundem com meras suspeitas. Há que se ter motivos concretos, fortes indícios da existência de elementos de convicção (seja da acusação, ou da defesa), que se possam achar na casa, a qual se pretenda varejar.
Deverá existir, para a realização da busca domiciliar, a sua imprescindibilidade, oportunidade e conveniência, devendo o magistrado exigir o fumus comissi delicti, ou seja, materialidade do fato e indícios suficientes de autoria, com suficiente lastro fático para viabilizar a medida.

2.2 INSTRUMENTALIZAÇÃO DA MEDIDA

A execução da ordem de busca emanada pela autoridade jurisdicional guarda uma série de limitações e formalidades. As primeiras visam mitigar eventuais ofensas aos direitos fundamentais, enquanto as segundas resguardam a sua veracidade e legalidade. Para que a busca possa ser válida, precisará estar acobertada de legalidade, do momento de sua expedição até o seu esgotamento.

Na hipótese de realização em casa habitada, o art. 228 do Código de Processo Penal é claro ao dispor que “[…] a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que indispensável para o êxito da diligência”, tendo em vista que o varejamento “[…] estorna, importuna, incomoda os moradores” (TORNAGUI, 1967, apud PITOMBO, 2005, p. 220).

A busca, portanto, deverá ser realizada de maneira menos invasiva ou prejudicial possível àquele que a suportará, tendo em vista a presunção de inocência – além dos demais direitos fundamentais.

Pitombo (2005, p. 184) expõe que:

A execução da ordem deve respeitar a intimidade e a vida privada das pessoas envolvidas. Nada justifica, portanto, a transmissão em tempo real, por rede de televisão, especialmente convocada para o evento. O poder-dever estatal de punir e restabelecer a paz pública não é compatível com o exibicionismo.
No que tange ao horário para a realização do ato, o cumprimento do mandado de busca apenas poderá ser cumprido durante o dia, em decorrência de expressa determinação constitucional, sendo considerado ilegal o cumprimento de ordem judicial à noite (LOPES JÚNIOR, 2012, p. 714).

Conforme dispõe o art. 243 do Código de Processo Penal, há a necessidade do mandado em indicar, da forma mais precisa possível, a residência a qual será realizada a diligência, além do nome do respectivo proprietário ou morador. Ademais, conforme expõe tal dispositivo, deverão ser mencionados, de forma clara, os motivos e os fins da diligência, devendo este ser subscrito pelo escrivão, além de devidamente assinado pela autoridade judiciária que ordenar a sua expedição.

Deverá ser delimitado, ademais, o objeto que se busca, com vistas a vedar uma eventual ação inquisitória. Na hipótese de se buscarem armas, deverá ser direcionada neste sentido, não estando a autoridade policial autorizada a proceder com busca e apreensão de quaisquer outros objetos não explicitados no mandado expedido pelo judiciário (LOPES JÚNIOR, 2012, p. 712).

3 BUSCA E APREENSÃO GENÉRICA: MEDIDA EM SERVIÇO AO ESTADO DE EMERGÊNCIA PENAL?

Nas últimas décadas, o Brasil sofreu por um processo de expansão do poder punitivo, ocasionado significativamente pela adoção das práticas de segurança pública baseadas no combate rigoroso às drogas ilícitas – o chamado “proibicionismo criminalizador” – fenômeno de nível global registrado apenas a partir do século XX.

Karam (2009, p. 5), com maestria, aduz o seguinte:

A política de “guerra às drogas” explicita, em sua própria denominação, a global tendência expansionista do poder punitivo que se consolida paralelamente às notáveis mudanças registradas no mundo a partir das últimas décadas do século XX.
O proibicionismo criminalizador das condutas previstas na Lei nº 11.343/06, a Lei de Drogas, viabilizou a expansão do poder punitivo, aplicando-se ideias de “combate” e “guerra” como norteadores do controle social institucionalizado estatal – o sistema penal. Este combate visa a anulação das práticas daqueles que produzem, comercializam e consomem as substâncias entendidas pelo Estado como ilícitas. Todavia, não serão todos os indivíduos que procedem com as práticas ora descritas terão em seu desfavor o direito penal máximo.

Os alvos nessa guerra são os mais vulneráveis dentre os produtores, comerciantes e consumidores das drogas proibidas; os “inimigos” nessa guerra, são seus produtores, comerciantes e consumidores pobres, não brancos, marginalizados, desprovidos de poder (KARAM, 2013).

É evidente a ocorrência da chamada “emergência penal”, onde prevalece a razão do Estado em face da razão jurídica como critério informador do direito e do processo penal. Equivale a um princípio normativo de legitimação da intervenção punitiva, e que tem como norma principal, exclusivamente, o bem do Estado, conforme explicita Ferrajoli. (2010, p. 747).

Ferrajoli (2010, p. 766) prossegue, apontando claramente que:

O abandono das regras e dos princípios jurídicos não é permitido em tempo de paz contra os cidadãos, mas apenas “contra os inimigos… Em face do originário direito de natureza de fazer a guerra, na qual a espada não julga, nem o vencedor faz a distinção entre nocente e inocente […].
Surge, portanto, uma forte justificativa para a alteração das regras do jogo processual estabelecidas pelo próprio Estado, aplicando-se um direito penal de exceção; neste cenário, os direitos constitucionais são mitigados para além das exceções previstas no próprio texto constitucional.

Direito penal de exceção, de fato, designa simultaneamente duas coisas: a legislação de exceção em relação à Constituição e, portanto, a mutação legal das regras do jogo; a jurisdição de exceção, por sua vez degradada em relação à mesma legalidade alterada (FERRAJOLI, 2010, p. 747).

Nas situações em que se declara a “emergência penal”, o Estado aplica, ao invés do direito penal do cidadão, o direito processual do inimigo. Enquanto no direito processual do cidadão, o sujeito processual tem o direito a requerer a produção de provas, de assistir a interrogatórios e, principalmente, a não ser coagido e enganado, no Direito Processual do inimigo se resume a múltiplas formas de coação.

Como no Direito penal do inimigo substantivo, também neste âmbito o que ocorre é que estas medidas não têm lugar fora do Direito; porém, os imputados, na medida que se intervém em seu âmbito, são excluídos de seu direito: o Estado elimina direitos de modo juridicamente ordenado (JAKOBS, p. 40).

Enquanto no estado de direito aplica-se o direito penal mínimo, com uma estrutura garantista que preze por uma concepção limitada de intervenção, os modelos autoritários (direito penal máximo) caracterizam-se pela ausência de alguns limites frente à intervenção estatal (CARVALHO, 2008, p. 84).

Quando o Estado, por meio do Poder Judiciário, se propõe a desestruturar as condutas delituosas praticadas pelo inimigo, utiliza-se de meios autoritários, pautada numa persecução penal inquisitorial, onde são desconsideradas quaisquer limitações para a realização dos atos processuais – alteração das regras do jogo – o que implica, inclusive, na realização das buscas e apreensões “coletivas” (itinerantes, ou genéricas).

Será genérica, portanto, a busca que deixe de atender aos requisitos formais dispostos no art. 243 do Código de Processo Penal. A título de exemplificação, tratando-se de hipótese de busca genérica (coletiva), este ponto será omitido no mandado, deixando de apontar, portanto, o endereço do imóvel onde deveria ser cumprida a diligência.

4 OS ALVOS DA BUSCA DOMICILIAR GENÉRICA E A SELETIVIDADE NO PROCESSO PENAL

Infelizmente, os mandados de busca domiciliar genéricos apenas são expedidos quando cumpridos em zonas periféricas das cidades, onde sobrevive a parcela da sociedade desprovida de condições para uma vida digna, e que sofre com a violência policial (LOPES JÚNIOR, 2012, p. 711).

Cumpre demonstrar os motivos os quais implicam nesta conduta perpetrada pelo Estado, a ponto de proceder com ordens de busca e apreensões genéricas que implicam na violação de direitos fundamentais, e de dispositivos do Código de Processo Penal. Para tanto, é importante relembrar o que Bauman (2001, p. 57) acertadamente expôs quanto à distinção entre dois grupos: “nós” e “eles”. A primeira categoria refere-se a algum grupo a que sentimos pertencer e que entendemos. Já a segunda refere-se a um grupo que não temos acesso nem sequer desejamos fazer parte, integrar.

Disto decorre o entendimento de que eventuais excessos contra indivíduos de um grupo o qual não se pertence (extragrupo) não aparenta chocar-se com a consciência moral, ao passo que se exigem penas severas nos casos em que atos muito mais brandos são perpetrados pelo inimigo.

Assim sendo, vale trazer, como complementação, o entendimento de Foucault (2009, p. 261), o qual aponta no sentido de que o Direito Penal é aplicável, na maioria dos casos, contra uma classe social degradada pela miséria, o que torna estranho crer que a Lei penal seria aplicável à sociedade como um todo.

Continua o autor que “[…] nos tribunais não é a sociedade inteira que julga um de seus membros, mas uma categoria social encarregada da ordem sanciona outra fadada à desordem […]”; ora, é evidente que uma minoria da sociedade integra o Judiciário, sendo que isto decorre da forte limitação aos elementos necessários para a formação intelectual e política dos indivíduos que pertencem à base social.

O sistema penal seleciona indivíduos, assim como os criminaliza, levando em consideração a sua classe ou condição social. É evidente que existe uma demonstração de que os sujeitos não são igualmente vulneráveis perante o sistema, que, costumeiramente, orienta-se através de estereótipos. Assim, implica na rejeição do etiquetado, assim como daqueles que porventura se solidarize ou com ele interage de alguma forma (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011, p. 72).
A título de exemplificação, o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, recentemente, expediu mandado de busca e apreensão coletivo, o que autorizou à Polícia Judiciária a revista nas casas dos moradores nas comunidades integrantes do Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, justamente visando à apreensão de armas, drogas, carros e motos roubados.

Destarte, cumpre demonstrar que, a depender do contexto social em que o sistema penal atua, esta pode ser procedida de maneira mais – ou menos – violenta, com excessiva – ou insignificante – violação dos direitos fundamentais e o seu rompimento parcial com a legalidade.

5 A INCONSTITUCIONALIDADE DO MANDADO DE BUSCA DOMICILIAR GENÉRICA (OU COLETIVA)

Em que pese haver uma ordem emanada pela autoridade judiciária para a realização de busca e apreensão, não necessariamente esta ordem estará amparada pela Constituição Federal e pela legislação processual pertinente.

A autorização judicial para a busca e apreensão domiciliar, para que possa ser considerada como válida, deverá atender aos limites impostos pelo ordenamento jurídico. Portanto, o ato decisório que lhe autorize deverá ser devidamente fundamentado, atendendo ao disposto no art. 93, IX da Constituição Federal.

Nas hipóteses em que se percebe a busca genérica (ou coletiva), há restrição excessiva aos direitos fundamentais uma vez que os requisitos previstos no art. 243 do Código de Processo Penal deixam de ser totalmente atendidos pela autoridade jurisdicional. Desta forma, preceitua Pitombo (2005, p. 89):

O direito fundamental só pode sofrer diminuição dentro da estrita legalidade. A hipótese de restrição há que estar prevista, modelada, em lei ordinária, consoante a Constituição; ainda, ter fins legítimos e possuir justificativa socialmente relevante. Devem ser considerados, também, os concretos meios, colocados à disposição, da justiça pública, para se atingir o fim desejado, havendo imprescindibilidade em restringir direito, assegurado na Lei Maior.

Assim sendo, na hipótese em que se autoriza uma busca domiciliar por meio de parâmetros genéricos, ou seja, que não especifica a finalidade da busca e o endereço a ser cumprida a ordem, deverá ser considerada como manifestamente inconstitucional, uma vez que violadora do direito constitucional da inviolabilidade do domicílio, e da intimidade de terceiros que sequer estão envolvidos na persecução penal.

A Lei nº 4.898/65 – Lei de Abuso de Autoridade estabelece, em seu art. 1º, que caberá à parte interessada o direito de representação, além de processo de responsabilidade administrativa civil e penal contra a autoridade, no exercício de suas funções cometerem abusos. Conforme preceitua a sobredita Lei, qualquer atentado à inviolabilidade do domicílio constitui abuso de autoridade.

Impende salientar que, no conflito entre os direitos fundamentais e a persecução penal, há autorização constitucional para a violação dos primeiros, desde que haja a devida fundamentação e o estrito atendimento ao que dispõe o Código de Processo Penal pátrio.

Outrossim, ainda que a ordem de busca e apreensão apresente resultado positivo, não torna válida a decisão abusiva e ilegal. Assim, é inadmissível que as garantias constitucionais da intimidade e da inviolabilidade do domicílio estejam sujeitas a meras suspeitas. Neste sentido, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, no julgamento do HC 95.009, criticou os mandados de busca e apreensão genéricos, conforme se verifica a seguir:

De que vale declarar a Constituição que ‘a casa é asilo inviolável do indivíduo’ (art. 5º, XI) se moradias são invadidas por policiais munidos de mandados que consubstanciem verdadeiras cartas brancas, mandados com poderes de a tudo devassar, só porque o habitante é suspeito de um crime? Mandados expedidos sem justa causa, isto é, sem especificar o que se deve buscar e sem que a decisão que determina sua expedição seja precedida de perquirição quanto à possibilidade de adoção de meio menos gravoso para chegar-se ao mesmo fim. A polícia é autorizada, largamente, a apreender tudo quanto possa vir a consubstanciar prova de qualquer crime, objeto ou não da investigação. Eis aí o que pode se chamar de autêntica ‘devassa’. Esses mandados ordinariamente autorizam a apreensão de computadores, nos quais fica indelevelmente gravado tudo quanto respeite à intimidade das pessoas e possa vir a ser, quando e se oportuno, no futuro, usado contra quem se pretenda atingir (Supremo Tribunal Federal, HC 95.009-4/SP, Rel: Min. Min Eros Roberto Grau, 2008).
Sendo assim, resta concluir que o mandado de busca que deixe de especificar o endereço da residência e as finalidades para o cumprimento da medida viola, categoricamente, preceitos constitucionais; em especial, a inviolabilidade do domicílio.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto à busca e apreensão, cumpre asseverar que é a polícia judiciária é quem deverá investigar os suspeitos, para que, verificando a existências de indícios de autoria e materialidade da conduta, poderá requerer perante o judiciário a medida de busca domiciliar, com vistas à apreensão de objetos que possam instruir uma futura ação penal.

Em nenhuma hipótese a autoridade policial deverá requerer a medida com base em meras suspeitas. A investigação, repita-se, deverá preceder a busca e a apreensão, para que sejam evitadas as buscas domiciliares genéricas, que não apontam, com precisão, o quê e onde se busca. A par disto, Lopes Júnior (2012, p. 711), com maestria, pontua que:

A indicação da casa ou local onde a busca será realizada é imprescindível. Não se justifica que a autoridade policial (ou o MP) postule a busca e apreensão como primeiro ato da investigação. Não se busca para investigar, senão que se investiga primeiro e, só quando necessário, postula-se a busca e a apreensão. Logo, inexiste justificativa para que uma busca seja genérica neste sentido (endereço correto). Que primeiro a autoridade policial investigue e defina o que precisa buscar e onde.

Não basta a existência de uma ordem judicial para a busca domiciliar; é preciso que esta seja baseada em indícios suficientes, e não apenas em meras suspeitas. Caso o contrário, a autoridade que ordene a medida estará cometendo crime de abuso de autoridade, por ato atentatório à inviolabilidade de domicílio daquele indivíduo cuja ordem atinja.

Resta concluir que a ordem que decrete a busca domiciliar genérica, desatendendo ao que dispõe o art. 243 do Código de Processo Penal, é flagrantemente inconstitucional, por violação aos princípios constitucionais da inviolabilidade de domicílio, da vida privada, da imagem e da honra.

A existência de um mandado judicial, não necessariamente explicitará a legalidade da busca e a apreensão. Devem ser respeitados os limites da lei e, principalmente, o princípio da dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade do domicílio, e os demais direitos fundamentais a ela relacionadas, sendo forçoso concluir que o judiciário deve se desvincular da atividade investigatória e do combate ativo do crime. E contra os acusados e investigados, o Estado não pode atuar à margem da lei, desrespeitando a Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

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